domingo, janeiro 21, 2007

nada que tive era meu


Nada que tive era meu.
Perdi estradas, perdi leito.
Na pedra onde me deito
nada fala de alvos linhos.
Se, com cegos, me aventuro,
a caminhar rente aos muros,
é que meus olhos impuros
sonham Cristo nos caminhos.

Nada que tive era meu
e o corpo não o quero eu.
Podia servir de embalo,
mas serve de sepultura.

Cemitério de asas finas,
tange e plange aladas crinas,
canto de praias sulinas
de infinitas amarguras.

Natércia Freire, in Poemas (1957)
O Livro da Natércia, ed. quasi, 2005.