quinta-feira, maio 03, 2007

O abraço da noite fria




O abraço da noite fria
Acolho no meu seio o silêncio e a serpente
Acasalo o olhar com a aridez prometida
Amar-te no deserto a meio da ferida
E causticar-me no corpo cicatrizante
É quente a seiva e a gesta arrefecida
É uma forma de posse que te prende
É uma forma de prisão que te apodrece
Talvez uma forma sub-aquática de vida
O luzir aceso da pele que não vestes



Mas pouco importa se o frio nos arde a pele
Perto do abismo a noite é uma cáspide
A cidade envolta em luminescências aflitas
Entre cada casa a casa que nos envolve a carne
E secretamente nos tacteia e extravia a alma
Ah, a noite é longa e range o esmalte
A janela geme entre dentes a falta do sono
e de coragem para gritar o teu nome
na praceta vazia verde selvagem



Já percorri o marfim da pele em espera
Já feri o olhar no teu corpo ausente
Já suspeitei a noite de me roubar o dia
Amaldiçoei toda a forma de poesia
Que ocupa a vida no lugar onde me sento



Mas nada que a noite me acrescente
A estas palavras doídas e vazias
Tem a urgência dos lábios prontos
A translucidez da pele mate
E o desperdício deste leito em penas
Primorosamente nuvens e serenas
A flor em fuga a flora em fogo
E o abraço alarmante da noite fria

Ana Pontes
3 de Maio de 2007