"Há palavras que fazem bater mais depressa o coração." A. Negreiros
Há palavras que nada me dizem ou se dizem
dizem apenas aquilo a que se referem
ou melhor
Todas as palavras dizem mas a maioria
a mim
diz-me pouco. O pouco a que se referem (e o referido)
é a trivialidade isolada.
Se juntar a uma palavra outra palavra
já estou a sair do isolamento da palavra
E duas palavras já dizem mais. Porém
há palavras sozinhas que dizem muito mais
que três ou quatro cinco palavras juntas e dessas palavras
sozinhas há palavras
que me perturbam e perturbado
turva-se-me o olhar
acelera-se-me o coração
e são tão poucas as palavras que me agitam
que não consigo ordená-las
e dentre essas palavras há-as
que me estremecem ruborizam
e à noite fazem buracos escuros no sono
febre no corpo agitado torpor na língua
e não consigo dizê-la(s)
e porque as guardo sigilosamente
e não as uso nem em silêncio
continuarão a secar-me a boca como algas na areia
humedecer-me as mãos como seixos no rio
a serem meu desconsolo como solos secos
até desgraça como vis misérias
Há palavras que não digo que me estremecem
e desgraçam
e não precisam de estar acompanhadas
Há palavras solitárias
que definem tudo o que indefinimos
e definham no horizonte para lá do horizonte
Há palavras assim
Como a papoila no cetim branco do caixão
mancham o branco com uma mancha
de vida onde não há lugar para a vida
e estas palavras quue nomeiam mas não digo (não dizem)
fecham-se dentro de mim (delas próprias)
fenecem atrofiadas morrem
as palavras inditas
são palavras mortas
da pior morte. A morte
ignorada. As palavras não sabem porquê
e na tua boca não queimam. Antes
refrescam teus lábios e riem-se
nos teus olhos. E aí há
Vida.
As palavras que eu matei em ti
Brotam bica fonte fresca monte abaixo
Tão ausentes do meu soluçado requiem
Há palavras assim em mim que em ti
na tua boca sorriem e à minha
não acedem nem anuem
porque são da negação
E entre as palavras mesmo
As que nada me dizem e eu poderia dizer
não digo ao pé de ti cuja presença ladra
rouba qualquer valor graça
ao dito ou à possibilidade de dizer...
Foste tu então só tu que me mataste
as palavras e as que me deixaste
perderam o dizer
Foste tu então só tu e se calhar nem tu
mas o gesto tido ou até a ausência do gesto tido
a causa da nudez da morte encobrimento
fatal das palavras que tinha para ti me turvam por dizer
e não são torvas sim
desassossego magia encantamento
nunca dito(s)
Viseu, 28 de Maio de 2000
in Ave Azul
dizem apenas aquilo a que se referem
ou melhor
Todas as palavras dizem mas a maioria
a mim
diz-me pouco. O pouco a que se referem (e o referido)
é a trivialidade isolada.
Se juntar a uma palavra outra palavra
já estou a sair do isolamento da palavra
E duas palavras já dizem mais. Porém
há palavras sozinhas que dizem muito mais
que três ou quatro cinco palavras juntas e dessas palavras
sozinhas há palavras
que me perturbam e perturbado
turva-se-me o olhar
acelera-se-me o coração
e são tão poucas as palavras que me agitam
que não consigo ordená-las
e dentre essas palavras há-as
que me estremecem ruborizam
e à noite fazem buracos escuros no sono
febre no corpo agitado torpor na língua
e não consigo dizê-la(s)
e porque as guardo sigilosamente
e não as uso nem em silêncio
continuarão a secar-me a boca como algas na areia
humedecer-me as mãos como seixos no rio
a serem meu desconsolo como solos secos
até desgraça como vis misérias
Há palavras que não digo que me estremecem
e desgraçam
e não precisam de estar acompanhadas
Há palavras solitárias
que definem tudo o que indefinimos
e definham no horizonte para lá do horizonte
Há palavras assim
Como a papoila no cetim branco do caixão
mancham o branco com uma mancha
de vida onde não há lugar para a vida
e estas palavras quue nomeiam mas não digo (não dizem)
fecham-se dentro de mim (delas próprias)
fenecem atrofiadas morrem
as palavras inditas
são palavras mortas
da pior morte. A morte
ignorada. As palavras não sabem porquê
e na tua boca não queimam. Antes
refrescam teus lábios e riem-se
nos teus olhos. E aí há
Vida.
As palavras que eu matei em ti
Brotam bica fonte fresca monte abaixo
Tão ausentes do meu soluçado requiem
Há palavras assim em mim que em ti
na tua boca sorriem e à minha
não acedem nem anuem
porque são da negação
E entre as palavras mesmo
As que nada me dizem e eu poderia dizer
não digo ao pé de ti cuja presença ladra
rouba qualquer valor graça
ao dito ou à possibilidade de dizer...
Foste tu então só tu que me mataste
as palavras e as que me deixaste
perderam o dizer
Foste tu então só tu e se calhar nem tu
mas o gesto tido ou até a ausência do gesto tido
a causa da nudez da morte encobrimento
fatal das palavras que tinha para ti me turvam por dizer
e não são torvas sim
desassossego magia encantamento
nunca dito(s)
Viseu, 28 de Maio de 2000
in Ave Azul
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