sábado, junho 14, 2008

memorial

o portão roído da ferrugem perra
os esbeltos ferros contorcidos
a fechadura de chaves como braços d'abraçar
a sineta sem badalo nem corrente d'ondular
a calçada sob a crasta da latada
o odor do silicato de magnésio por tua boca dito pó de talco
a dióspireira de raízes ácidas onde os pardais não pousavam
o lago onde as meruges dançavam sem parar
o gorgolejar de água pássaros grilos e cigarras
o vento de afecto a saudar com assobios de brisa
as casas com mistérios e lareiras frias
as lojas onde o gado deixara o cheiro da vida úbere
a cal num tanque de pedra para limpar finados e avivar brevidades
as noites com sombras de coelhos e sátiros nos avelanais
a pele do leite e a nata de vidro quente
o roseiral de espinhos a aguilhoar amoras do jeito de teu olhar
o banco ao toro do castanheiro feito do primeiro castanho pelo tempo remoído
as mesas de pedra com bancos de pedra recusados aos corpos indolentes

o fumo das chaminés e as janelas onde bailavam linhos
a sintaxe de paz e o léxico de harmonia banidos hipérbatos e palavras aguçadas
recurso quase antídoto ao sibilado veneno da cobra verde
canteiro insistente a gladíolos na memória