Nas meias de vidro corriam boulevards, aqui e ali estancados a verniz. A saia, curta de mais para os anos a mais, pregueada, caía com graça nas pernas cansadas. A camisola preta, cingida ao tronco ainda esbelto, tinha uma gola curta que tapava as gelhas do pescoço, e meias mangas deixando nus os braços finos, brancos, ao de leve penugentos. O rosto. Porém, o rosto. Uma amêndoa branca de Páscoa com uns cabelos negros, curtos, espetados, atrevidos, à garçon.Uns olhos limpos de pintura, de um castanho dorido, tão normais e frios que até escondiam a dor. Pequeno, o nariz, tinha nas narinas largas, frementes, aquele indício de lúxuria que os hommes à femmmes experientes logo lêem. A boca, não fossem as comissuras tristes, era uma romã madura e húmida. Contudo, o cansaço. E nas olheiras cinzeladas fundo, um desencanto. A frieza dos olhos era atirada com tal desdém aos clientes, que os repelia com um adeus antes de olá.
Não fumava, a pêga falida. Não calçava sapatos de saltos exorbitantemente altos, como as outras pêgas. Tinha as unhas curtas e uns dedos ágeis e longos, desprovidos de adornos. Era uma pêga afável.
Da esplanada do bistrot, no outro lado do largo, olhava-a com crescente fascínio. Seguia-lhe as passadas impacientes, acima-abaixo, no passeio cinzento, e dei-me conta de um querer que nenhum homem a levasse e de um desejo quase urgente de falar com ela. Mas, um pudor.
Como se diz a uma pêga falida Anda sentar-te comigo e não te preocupes que eu pago o que pedires para falarmos de uma infância inventada? E talvez dos rios que nascem lá longe, nas montanhas?
De repente. De repente, percebi que ela podia ir-se embora. Sozinha ou com algum cliente. E essa possibilidade inquietou-me.
Atravessei o largo em seis passadas, parei junto da pêga triste e disse Anda sentar-te comigo e não te preocupes que eu pago o que pedires para falarmos de uma infância inventada. E talvez dos rios que nascem lá longe, nas montanhas.
Olhara-me quando me percebera em sua direcção. Fixara-me quando me acerquei a centímetros do seu rosto. De súbito. Descansou-se-lhe o olhar quando olhou meus olhos. Ouvi-lhe um suspiro e uma resposta cansada Por 100 euros durmo sentada toda a noite e a dormir conto-te meia dúzia de infâncias.Por mais 50 banho-me no rio que desce na tua memória. Posso falar-te, ainda, e sem mais cobrar, das contas por pagar no dentista e no ginecologista. De uma filha que tem sete anos e setenta por cento de probabilidades de ser puta aos dezassete. Do javardo que paga para eu lhe ralhar e açoitar no cu-de-porco. Do touro que me dilacera e em cinco segundos vem-e-vai. Das dores nas pernas e de uma variz que cresce todos os dias. Do murro que há dias um bêbado me deu, me fendeu os lábios e partiu um dente. Posso estar silenciosa toda a noite e ouvir-te a solidão que tens na boca. Ou as gabarolices do que nunca fizeste. Pagas. Escolhes.
Olhara-me quando me percebera em sua direcção. Fixara-me quando me acerquei a centímetros do seu rosto. De súbito. Descansou-se-lhe o olhar quando olhou meus olhos. Ouvi-lhe um suspiro e uma resposta cansada Por 100 euros durmo sentada toda a noite e a dormir conto-te meia dúzia de infâncias.Por mais 50 banho-me no rio que desce na tua memória. Posso falar-te, ainda, e sem mais cobrar, das contas por pagar no dentista e no ginecologista. De uma filha que tem sete anos e setenta por cento de probabilidades de ser puta aos dezassete. Do javardo que paga para eu lhe ralhar e açoitar no cu-de-porco. Do touro que me dilacera e em cinco segundos vem-e-vai. Das dores nas pernas e de uma variz que cresce todos os dias. Do murro que há dias um bêbado me deu, me fendeu os lábios e partiu um dente. Posso estar silenciosa toda a noite e ouvir-te a solidão que tens na boca. Ou as gabarolices do que nunca fizeste. Pagas. Escolhes.
A voz era harmoniosa e clara. Em contraste com o que dizia. Entristeci-me mais. Tive um pouco de pena de mim por perceber quanto buscava uma mágoa alheia. Talvez por isso. Talvez. Peguei-lhe na mão, levei-a aos lábios e beijei-a com ternura Pago-te o silêncio e pago-te ainda para te sentares comigo num banco junto ao rio-de-faz-de-contas. Até que a geada nos pouse nos cabelos. Então, levo-te a casa. À tua. Digo-te boa noite à porta e até amanhã. E amanhã venho buscar-te à hora de fazeres o passeio. E assim, todas as noites, até o dinheiro acabar. Aceitas? Aceitas-me?
Aceito. Talvez te possa amar, disse-mo um rio. E os rios sabem histórias que contam às pêgas falidas, ou aos lírios, nas margens. Há camélias, na tua infância?
Não me lembro. Só recordo o fustigar das urtigas nas pernas pelos calções ao léu, quando brincava na quinta. E na tua?
Flores de plástico. Muitas. Tristes e perfumadas como uma bela boneca gorda, de olhos vidrados.
Dorme bem. Talvez te possa amar como um homem solitário sabe amar uma pêga triste. E ouve, se quiseres ponho-te lágrimas de verniz nas meias de vidro rôtas.
Não precisas. Chora-me só nos nós dos dedos.
Toma o teu dinheiro. Até amanhã.
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