sexta-feira, abril 09, 2010

Estória amoral ou paixão d'ourives.

Há muito desertei de ti. E se hoje, tudo se resume a uma abafada imagem num salão escuro, onde mais ressumbra o cheiro doce da cera fresca, que hálitos de teu corpo, de ti guardo, num pasmo suave, tuas mãos. Tão brancas e tão longos e finos dedos. Unhas curtas, oblongas e cuidadas. Um verniz brilhante, encarnado. Uns pulsos infantis e umas veias de um azul arroxeado. Pegava nas tuas mãos e sentia-as às minhas dadas, na fragilidade de um cristal antigo. Por vezes, pensei esmagar-tas, com um aperto forte, torná-las intocáveis. Mas só tive coragem de tas beijar. Como eram leves e frias as tuas mãos de outrora. O nosso comum amigo, investigador de jóias raras, sempre tas olhou cobiçoso e, de tanto olhar, acabou por tas levar.
Despojou-as dos anéis e, desnudas, finas, leves, frias, deitou-as fora.