parnasiasnices
estive hoje no parnaso com deuses e humanos.
sentados em cadeiras dispostas à mesma mesa na mesma sala.
em lisboa, parnaso tem salas e cadeiras e senta os deuses com os humanos e passam aviões por cima para a portela; trazem os homens nas nuvens e não vêm ao parnaso; devia estar jubiloso por estar sentado com os deuses à mesa onde comíamos, servido em francês de très haute cuisine, griffé rallot, o capítulo IX da chartreuse, de stendhal, “le voyage de fabrice”.
ouvindo os deuses, bocejei interdito pelo cometimento.
cheirando os deuses, adivinhei-lhes l’odeur à lanvin.
reconheci-lhes o jaeger le coultre… e bocejei três vezes, expondo as escancaras do derradeiro bocejo.
escorregou-me uma lágrima incontida, de tédio, sofrimento de tédio.
fabrice atravessa o rio pó com ludovic.
três bocas riram, cinco sorriram, oito anuíram e a elocução animada, achou-se muito apreciada.
a deusa convidada do parnaso de aix leu memórias de re-leitura.
fintei o tédio pelo acento no significante.
a deusa entoava harmoniosos sons gauleses, exibindo mapas de outrora e de espaços já perdidos.
a deusa tinha rugas, brincos bi-esféricos de prata, um anel de prata no anelar direito.
trouxera os lábios de um bordeaux diluído no carmim do rosto e no feu fanné dos cabelos.
vestia de preto, a deusa, e os homens passavam em cima nos aviões da tap, air france, swissair.
e nós sentados, numa sala fria, com folhetos publicitários cedidos pela embaixada, enquadrados em molduras faux rococo, da galerie des glaces, em versailles, falávamos das viagens de fabrice, que o pobre nunca fez, aliás.
fingi interesse em interessar-me.
um interesse de ficção, também.
até caronte convocaram, estes deuses.
mandou-os enculer, que estava ocupado com coisas pouquíssimo sérias, como a morte.
alzira, a deusa-mor, anuía cadenciadamente três vezes por minuto, revirando os olhos nas órbitas acolhedoras dos êxtases.
mathé, o senegalês, convocado só porque viajara de áfrica e seria um expert quando fizesse a outra viagem, a de retorno, perfazendo a quilometragem intelectual necessária, adormeceu e caiu de lado numa vitrina que chocalhou um aplauso estrídulo.
a deusa de aix pôs os óculos e compôs o cabelo ralo que já não era rebelde.
exibida a miopia de todos os intelectuais, tirou-os ostentando-os na mão esquerda astigmática até ao fim, como uma borboleta hipnotizada.
escoou-se uma hora.
a deusa sorria, os outros deuses também, os humanos também, e eu, no meu acto flou de comunicação lírica/enunciação poética, afastei as teias-cortinas do tédio, reposteiros fantásticos de defesa, e sorri quando todos riram.
passou mais um avião com homens.
o meu esfíncter espetado nas nádegas, contorcia-se dorido no tampo de fórmica do assento.
o crepúsculo dos deuses não traz melancolia.
aos homens dá tolerância.
a tolerância necessária para conviver com os deuses e a sua elevação.
e aturá-los.
tinha os dentes tortos.
não eram decerto postiços.
seriam tão naturais como o hálito que não era fresco como as águas de canaã, antes fétido como o rasto de orfeu fugindo de eurídice, que ficou bem entregue.
fujamos dos répteis que mordem os pés e dos deuses que nos trepanam.
tinha as unhas da cor da boca.
porquê pintar as unhas da cor da boca?
as palavras eram incolores e perdiam-se no ar revolto.
passou um avião da varig.
o computador ao alcance do meu cotovelo esquerdo era antiquado e da marca schneider, como a bela romy.
a colega tinha um rabo de cavalo esparso e ralo num laço azul.
aquele cabelo merecia água e sabão.
há já uns dias.
todos escreviam afanosas notas.
creio que são os diferentes capítulos desta narrativa que descreve este parnaso.
agarro-me a uma função nuclear e parto pendurado na asa de um avião da saudia air, com os homens que voam, para longe dos deuses aterrados e enterrados na aura da sua medíocre aspiração à consideração da seita.
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