sexta-feira, julho 20, 2007

Mulher de Bençam


No livro Um Escritor Confessa-se, escrito em 1962 (um ano antes do seu passamento) e publicado postumamente em 1974, Aquilino Ribeiro abarca um período de sua vida compreendido entre a saída do Colégio de Lamego (donde meu pai foi expulso no final da década de 30, por razões de saias) e a fuga para Paris, em 1908, com 23 anos.

Na página 35 da 1ª edição escreve: "Faltava-me filosofia, fui estudá-la para Viseu com Júlio Alves Martins, sobrinho do celebrado bispo do mesmo nome." Mais adiante, pág. 41, continua: "O meu explicador era o senhor Júlio Alves Martins, atrás nomeado, funcionário do Banco Agrícola e Industrial, boa pessoa, que sabia da poda tanto como eu." A pág. 43 remata sobre este assunto: "Um dia Júlio Martins proporcionou-me ver a meu contento o rapaz salta-pocinhas, de cabelo de asa de corvo, que voltava da escola. Ele acercou-se de nós buliçoso e risonho, fronte bonita, que havia de ser o poeta António Alves Martins, autor de Anunciação e Mulher de Benção. Nada tinha de especial, fora os grandes olhos, com uma palheta de curiosidade ao fundo dum longo corredor negro, e as orelhas despegadas dos parietais. Teve um trânsito breve e complexo na vida."

A título de curiosidade, ao reler a obra para um trabalho que se quer urgente, o referido toou-me na memória. Fui vasculhar nos meus livros e de lá descobri um dos citados, edição da Renascença Portuguesa, publicado no Porto, em 1923. Dedicado no frontispício a "Isabel Maria, Minha Mulher", colige um conjunto de poemas dos quais deixamos este soneto, testemunho avulso, sem comentários, e ao leitor a sua crítica:


Destino


No nome, santa e rainha;
Na humildade, pastora;
No amor, a luz de aurora;
Na saudade, a tardinha!

Na alegria, uma andorinha;
No olhar, sonho que enflora;
E na voz frauta sonora,
Tocada de manhãsinha!

Divina e humana existência,
É flor e é essência:
É da Terra e é dos Céus...

Na ânsia, sopro de aragem;
Filha do homem, na imagem;
Na alma, filha de Deus!