quinta-feira, agosto 28, 2008

Dicionário Imperfeito - Opera Omnia - AB-L

Este post é dedicado à Velinhas e ao Simão. Letra C - Cães

O meu cão (era) um caniche meio vadio, de feitio tão atravessado como a raça. Mordeu toda a gente em casa e na vila; havia mesmo a profissão a meio-tempo do que se dizia mordido pelo meu cão e que pedia indemnização e acabava num contrato modesto. Outras vezes prendiam-no para o dar por desaparecido e receberem alvíssaras. Era o bicho mais briguento e caprichoso que já vi, e, nas noites de lua, entrava nos lameirais do rio como Popeia nos banhos de leite; ou refoçilava nas carcassas das gaivotas, com expansões de riso homérico, eu que o diga.

A Ilse (Losa) tinha um cão basset que engordou e reluzia como barro de Bisalhães. Esperava-me à porta, no Campo Alegre, e tinha um ar um pouco depreciativo. Pensei sempre que me achava tola. Nunca me ladrou, nem abanou a cauda quando me via. Acho que não dignava informar-se a meu respeito, porque nem sequer farejava os meus sapatos. Os gordos, em geral, são confiantes e não fazem muitas perguntas. Sentava-se na sala, ouvia um pouco as nossas conversas, e depois ia-se embora. Era um céptico com boas maneiras, o que é bastante raro.