sexta-feira, outubro 10, 2008

10 Reflexões

1.
Na linguagem autêntica, uma palavra não é a expressão de uma coisa, mas a ausência dessa coisa.
2.
A consciência deste poder demiúrgico da palavra anuncia a entrada em cena do demónio literário.
3.
Mas este sentimento de potência apenas é vivido em relação com a consciência de uma impotência radical, a do próprio signo que é nada para se tornar criação.
4.
A literatura, tornando-se impotência para revelar, queria tornar-se revelação daquilo que a revelação destrói.
5.
Ela diz: Já não represento, eu sou; já não significo, eu apresento.
6.
A linguagem nega-se para negar o mundo e tornar-se revelação.
7.
A linguagem mantém-se numa contradição: de uma maneira geral é aquilo que destrói o mundo para o fazer renascer como sentido, de valores significados; mas, debaixo da sua força criadora, fixa-se sobre o único aspecto negativo da sua função e torna-se poder puro de contestação e de transfiguração.
8.
Consequentemente, a literatura, quer dizer a linguagem assumida a consciência da sua vocação essencial, é o domínio da ambiguidade e o sentido da morte admitida para uma ressurreição ulterior.
9.
Só compreendemos privando-nos de existir, tornando a morte possível, de modo que, se saímos do ser, caímos fora da possibilidade da morte, e a saída torna-se o desaparecimento de qualquer saída.
1o.
A literatura torna-se o drama incessantemente recomeçado de Orfeu procurando, perdendo, encontrando, perdendo de novo indefinidamente Eurídice; sendo a intensidade do drama o garante da qualidade literária.
FLUL, 1998.