sábado, dezembro 13, 2008

porque é sábado e a chuva fria

Num ímpeto, de soslaio, olhei a secretária de castanho escuro atulhada (como gosto desta palavra que vem de tulha e cheira a cereais) de papéis, livros, copos com lápis e esferográficas, papéis, livros, copos com lápis e esferográficas... e triturei os papéis um por um numa máquina prateada moendo mecanicamente em RêRêRêRêRêRê... depois li os títulos dos livros e destinei-os a paradas em sentido. Encontrei três há muito perdidos e afanosamente procurados até ao desespero. Já não são úteis, como tudo na vida que está ausente quando deles(as) se precisa. Vi que a maioria das esferográficas já não escrevia com a tinta azul e negra seca naquela veia-espécie de plástico. Lixo. Os lápis, entre rombos e de bico partido rumaram para a a afiadeira. As gavetas...! Ai as gavetas, entre fotografias, de velhas desbotadas, com caras minhas que não são minhas e pessoas que já não são pessoas, lápis de cera, tubos de óleo seco, papéis esotericamente garatujados, cartas velhas que nunca existiram, aflições que perderam as 8 letras e até o til... Esvaziei-as e ficaram caixões vazios. Da secretária, aos poucos, surgiu o tampo baço. Limpei-o, encerei-o. E duma década submersa emergiu, enfim, numa nudez estranha com um corpo-esqueleto hostil. Olhei-a e não a entendi. Não a quis. Tinha espaço a mais para eu ocupar durante a próxima época. Ofendeu-me com o vazio. Corri à trituradora, esvaziei-a das tirinhas torcidas de papéis e pu-las sobre o tampo. Saqueei das estantes os livros apertados que dispus por lá. Busquei no lixo as esferográficas de veia seca e enchi de bouquets os copos. Afastei-me e olhei de longe a minha secretária que creio ser em castanho, escuro. Já me era familiar. Já nem me perdia na confusão da sua tanta nudez. Nunca mais arrumo as secretárias...