segunda-feira, fevereiro 23, 2009

Os “ismos”, ou a rotulação barata da genialidade


Fernando Pessoa nasce em 1888 e morre em 1935, tem o Estado Novo, iniciado em 1926 nove anos de vida.
Alturas houve, na nossa História recente, em que era de modelar tom taxar ou rotular os nossos génios de fascistas, comunistas e outros “istas” de parquíssimo fundamento.
Se Fernando Pessoa, politicamente, manifestou alguma simpatia, fê-lo pelo sistema monárquico, embora não deixe de considerar a “Monarquia completamente inviável em Portugal”.
Porém, fosse o que fosse, a sua obra tudo superou e imortalizando-o, levou a língua portuguesa mais longe que as caravelas quinhentistas e fá-la perdurar e estudar por cátedras de Estudos Pessoanos, mundo afora.
Aliás, a seu respeito (e dentre milhentos autores e escritos), escreve Bloom, inO Cânone Ocidental”, (ed. Temas e Debates, 1997):
Fernando Pessoa, que, enquanto invenção fantástica, ultrapassa qualquer criação de Borges (…) é Whitman renascido (…) originalidade tão descomedida (…).

Este meu arrazoado serve apenas para deixar hoje, prometendo voltar ao assunto em tempo oportuno, um poema do autor, nitidamente demarcado do regime salazarista e do ditador…
Seria até despiciendo mais considerar, se tivermos em conta que Mensagem, única obra que viu prelo em vida do poeta, um ano antes da sua morte (1934) foi secundarizada em concurso literário promovido pelo aparelho político/cultural da época.

Aqui fica:

ANTÓNIO DE OLIVEIRA SALAZAR

António de Oliveira Salazar.
Três nomes em sequência regular…
António é António.
Oliveira é uma árvore.
Salazar é só apelido.
Até aí está bem.
O que não faz sentido
É o sentido que tudo isto tem.

Este senhor Salazar
É feito de sal e azar.
Se um dia chove,
A água dissolve
O sal,
E sob o céu azul
Fico só azar, é natural.
Oh, cós diabos!
Parece que já choveu…

Coitadinho
Do tiraninho!
Não bebe vinho.
Nem sequer sozinho…


Bebe a verdade
E a liberdade.
E com tal agrado
Que já começam
A escassear no mercado.

Coitadinho
Do tiraninho!
O meu vizinho
Está na Guiné
E o meu padrinho
No Limoeiro
Aqui ao pé.
Mas ninguém sabe porquê.

Mas enfim é
Certo e certeiro
Que isto consola
E nos dá fé.
Que o coitadinho
Do tiraninho
Não bebe vinho,
Nem até,
Café.


Publicado In Diário Popular, 30 de Maio e 6 de Junho de 1974.
Publicado por Jorge de Sena.
(Citado por António Quadros, Poesia III, p.148).
Referido em Pessoa / Persona, por Agostinho Domingues, em ed. da Câmara Municipal de Amares, 1988, no I Centenário do Nascimento do poeta.