Para um começo de leitura do último livro de A. Lobo Antunes.
Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra No Mar?
Boa pergunta, embora a posteriori saibamos ser verso de toadilha de infância.
O título do último livro de António Lobo Antunes.
Os cavalos, a sombra e o mar.
Uma família ribatejana.
A mãe que aguarda a morte à hora marcada, um pai finado, marialva também dado ao jogo e os filhos: 3 raparigas e outros tantos rapazes.
Todos com sua cruz.
Ana é toxicodependente.
Rita que um cancro matou.
Beatriz que os homens deixam para trás.
João é pederasta.
Francisco consome-se em ódio.
O bastardo que é invisível.
Mas… o que me ocorreu de imediato foi a isotopia da morte.
Não inúsita, em LA.
Pelo contrário, desde sempre de atalaia.
E o desde sempre remete para há 30 anos, aquando da saída de “Memória de Elefante” e “Os cus de Judas”.
Mas aqui, a morte mistura-se com a “Fiesta”.
E esta lembra E. Hemingway, aquele que não exorcisou a morte, embora a tentasse desalmadamente.
E onde está a “fiesta”?
Na organização do romance.
Senão vejamos:
Um curto capítulo introdutório:
- antes da corrida.
Quatro capítulos em sequência:
- tércio de capote.
- tércio de varas.
- tércio de bandarilhas.
- a faena.
Todos eles se dividindo em quatro subcapítulos, assim como o antepenúltimo:
- a sorte suprema.
Fecha como abre, com um curto capítulo de conclusão:
- depois da corrida.
Assim, entre um antes e um depois, desenrola-se a lide espanhola.
E chegando a Espanha, chegamos a Frederico Garcia Lorca.
E a um dos meus títulos preferidos:
Llanto por Ignacio Sanchez Mejia
Que se divide assim:
La cogida y la muerte.
La sangre derramada.
Cuerpo presente.
Alma ausente.
Estes quatro momentos fundem-se no verso:
“Estamos com un cuerpo presente que se esfuma…”
Ainda assim, no momento 1, lemos:
“lo demás era muerte y solo muerte”
No momento 2, lemos:
“la luna de par en par.
Caballo de nubes quietas…”
No momento 3, lemos:
“Yo quiero ver aqui los hombres de voz dura.
Los que que doman caballos y dominam los rios…”
No momento 4, lemos:
“No te conoce el toro ni la figura,
Ni caballos ni hormigas de tua casa.”
E, perante tanta recorrência, da morte, dos cavalos, dos rios, e da (tua) casa, temos enunciado o microcosmos da diegese deste romance de LA.
Ou então, neste imenso mosaico de Kristeva, onde todos os textos se interpelam, a intertextualidade coincidiu com rigor.
Este seria o primeiro passo, passo pioneiro no enfoque, para ler esta obra.
Sempre, um ponto de partida.
Ou mais um ponto de partida, de entre as infindáveis visões dos plurais leitores.
Aqui vo-lo deixo.
Nesta teia há sempre, pelo menos, duas pontas.
Enrolai esta no indicador direito e ide à cata de mais pontas.
Caminhai...
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