Aveiro I
Tenho cada vez mais clara a ideia da minha atopia. Logo eu, que sou o viajante da imobilidade (ou pouca mobilidade, mas decerto o contrário do globe-trotter!).
Sinto, hoje, que não estou particularmente enraizado em lugar algum. Uma perda gradual de referências (e de pessoas) acentua essa percepção. Percebo que poderia acabar os anos que me faltam onde quer que fosse. E tenho a consciência, cada vez mais, de que se me apoucam as necessidades, ido que foi o tempo do acessório.
Porém, por vezes, insisto em alguns lugares. Uma revisitação proustiana, só que sem grande sabor e uma memória, gradualmente, a fragmentar-se como lascas de madeira velha, roída pelo caruncho, ou...uma madeleine a esfarelar-se na boca.
Hoje, fui a Aveiro. Porque nasci lá? Não sei. Fui. Sozinho. Parei o carro no velho Cais de S. Roque e andei por ali, pelos Botirões, Mercado do Peixe, Rua das Falcoeiras, dos Arrais, dos Mercantéis, das Velas, Rua Maestro Lé, Rua de S. Gonçalinho, Praça das Palmeiras, Rossio…
Porquê? Porque talvez sejam os únicos sítios onde um resquício qualquer me prende a um detalhe passado… Fui comprar “raivas” à pastelaria do costume. Andei pelas ruas estreitas de casas azulejadas. Fui saúdar o grande José Estêvão, visitar o CETA (que será feito do encenador Fino?) e à procura da Convés, galeria de arte que era do Zé Penicheiro, e já tem um prédio novo em cima (havia uns azulejos da autoria do Mestre na parede; será que alguém os preservou ou foram “reciclados” a malho e picareta?), as casas das tias-velhas de janelas cerradas, fui ver os moliceiros, fui à capitania, ao Arcada, ao Imperial (onde fiquei algumas vezes). Só não consegui ir ao CC, porque são todos muito novos e iguais. Até me esqueci de almoçar. Comi raivas e uma maçã de sobremesa.
O velho Rossio de Aveiro mantém uma parte igual a si própria, na sua decadência secular, e outra parte que se vai construindo, com arrojo, mas sem grandes desfigurações, o que já é 'arte'.
Arte, aliás, que está por todo o lado, em Aveiro. E nos mais ínfimos pormenores que qualquer olhar atento descrutina. Do belo kitsch da proa de um moliceiro, à art déco de uma fachada...
O tempo esteve seco e rondando os 14 graus. O sol 'des-hibernou'. Levei um livro, “Cidade de Ladrões”, de David Benioff (Dom Quixote), que recomendo vivamente. Sentei-me num banco sobre a Ria, lambido por raiozito de sol mais descuidado.
Até me esqueci de ir à praia, ver o mar, ou melhor, às praias de minha devoção: Barra, Costa Nova e Vagueira.
Já agora um pormenor: o São Gonçalinho festeja-se a 10 de Janeiro. Por isso é o meu Santo Padroeiro. E outro, mais preocupante: a peregrinação pelos topos do passado significará ausência de presente?
O tempo esteve seco e rondando os 14 graus. O sol 'des-hibernou'. Levei um livro, “Cidade de Ladrões”, de David Benioff (Dom Quixote), que recomendo vivamente. Sentei-me num banco sobre a Ria, lambido por raiozito de sol mais descuidado.
Até me esqueci de ir à praia, ver o mar, ou melhor, às praias de minha devoção: Barra, Costa Nova e Vagueira.
Já agora um pormenor: o São Gonçalinho festeja-se a 10 de Janeiro. Por isso é o meu Santo Padroeiro. E outro, mais preocupante: a peregrinação pelos topos do passado significará ausência de presente?
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