sábado, outubro 16, 2010

Mittere in bannum ou a privilegiação do território

Não carece de explicação a atitude.
O ímpeto é imparável quando o atrito cede à inércia seduzida por um falcão.
Nem a gravidade toma importância num mundo às avessas, onde a centrifugação se faz, na imobilidade, para o ar.
Pois se decidira abandonar a vida naquele planalto – ora hegung – outros ares, terras e mares eram-lhe provavelmente apáticos.
Porém, em nada dele – corpo e alma – a abulia se instalara.
Incorrera, com um fervor voluntário, de mística missão, olhos cegos e airada têmpera, numa ode infinda, fluida em melopeia de uma garganta ardida por fendidos lábios, a cantar dores do mundo aos incréus.
Demovê-los da insania, libertar-lhes o olhar da poeira crestada das pálpebras, dar-lhes o anil à vista e águas de tétis às bocas.
E só depois, alargada a perspectiva ao mais raso ângulo, superados os cumes do levante, resgataria, sem júbilo mas denodado, a vida então largada.
Tal orate intento aprenha-se em espíritos inquietos, vagueantes de um decénio em busca de um grão de paz e uma areia de sono.
E a recompensa, no coalho do leite caprino, na rudeza do pão ázimo e na paz restabelecida, era o ouro de todos os galeões chamados por neptuno à sombria algidez dos eternos lodos.
Um homem, se com paixão levado, só na perda da dor, esmorece cediço ao espasmo apaziguador, de titã ao anho mais estouvado, encurtando a dómita fereza num adejo breve de estorninho.
E quando, ardores lavados na calda fria do córrego, o lírio, tímido e esbelto, o questiona sobre sua graça, consegue, enfim, o verbo leve de se dizer “sumido”, tal como ansiara, contra a lapa cinza e dura, passento e pois entrado no ancho ventre da súcuba madre, paciente mas de éditos recobrados.
Era a casa, primicial.
Eis o tempo chegado de em quêdo se volver e lacerar espasmos nos ossos quase brancos, pelo lobo esfaimado renegados ao premunir que a fome farta, em esquírola de sílex, traria a morte certa.
Nem o vento, nas noites longas de dois dias, frias e escuras, sarilhado em urzes, urgueiras, tojais e seca galharia, lhe quer pouso nem afago.
...
É sempre encargo de pouca glória mantejado, abandonar a vida em ermo monte, junto à estrela que alumia o sono leve dos falcões.
(Este texto e 'bonecro' são para a Lídia, a única a seguir à de Ricardo, Martinez, parisiana surrealista danseuse da vertigem alada, esbelta aquila sorrindo sobre elíseos sopros...)