domingo, novembro 14, 2010

Um Domingo


Penso que poderia ser mais triste. Não eu, que faço da tristeza uma gabardine cinzenta, comprida e atada na cintura. Mas o domingo, que se ilumina com um sol frio, depois de uma noite de insistente rufada chuva, de fundo a um vento amolador de facas, chispando assobios raivosos aos gumes esmerilados. Mas os pássaros – gosto de pássaros, espenujam-se à luz. O meu cedro recompõe-se e reergue-se quase erecto. Quis o fado dar à excessiva vitalidade pouca terra para espraiar raízes. O meu cedro nasceu e cresceu só com ar e pela teimosia de me saudar à porta. As ruas estão limpas de gente. No bosque, os esquilos têm seco o fulvo pelo e os tortulhos despontam da caruma. Penso que poderia ser mais triste, afogado em tanta água e ensarilhado por tal vento. Mas o sol é eficaz. E eu, gaio por sabê-lo, só de uma ténue escuridão careço para não me exaltar a escrever-te, sereno, a saudade feita boina negra basca, resguardada na cabeça, tolhidos pontos de fuga, e rente a ela assentar a memória com labor acumulada, como tijolos em barro burro afogueado, e ter a quase exacta certeza de que, para cá do muro, na sombra onde me retenho, há um reduto onde chega o piar das aves aconchegadas no meu cedro, o resfolhar aéreo dos esquilos voando sobre o húmus húmido, o ténue estalido dos tortulhos a romper o musgo, o lampejo do olhar que me cedeste e o teu cheiro a limão e chocolate guardado na camisa azul que teus cabelos amarrotaram e teus lábios desvincaram. Penso que poderia ser mais triste, se na tristeza estreitasse comprazimento ou fel e não suturasse a memória com a dádiva imerecida do tempo que não tivemos, não nos foi dado, nem foi merecido.