terça-feira, fevereiro 20, 2007

carta a mariana


Viseu, 2o de Fevereiro de 2007


Mariana:

O desejo profundo que sinto, todo em mim latente, no corpo, nos poros da derme, na mente, traz-me aqui às letras com que formo palavras e componho as frases em que me escrevo.
Para ti, Mariana.
Sou o teu dizer mais desajeitado, a inabilidade plena em usar palavras de um léxico tão novo para mim, tão estranho e ao mesmo tempo tão dulcificante…
Porque nunca usei estas palavras?
Porque tu não estavas presente, Mariana, e assim, deste modo, avaro e persistente, criei uma arca onde as guardei durante décadas, para ti, Mariana.
É parca dádiva, pensarás, e por educação, de teu grácil natural, não confessarás… mas para mim é tanto.
Tanto quanto o muito tempo que as conservei in-ditas.
Nunca meus lábios as proferiram.
Nunca meu coração encontrou a comunhão imperiosa ao proferir.
Nunca minha boca ousou dizê-las.
Sabes, é um pudor sem jeito, este, que me assola.
As próprias palavras não encaixam ainda perfeitamente no meu modo de dizer, talvez por tanto as ter durante muito tempo repudiado.
As palavras têm alma, sabias?
E amam-nos ou odeiam-nos como as pessoas, ou talvez mais.
Não sei, nem quero falar em ódio num dizer para ti.
Nos dias perdidos da minha vida és o final milagroso com que tanto sonhei e tanto tardou a vir.
Já quase desesperava nesta outoniça e lenta de desgastada caminhada.
Mas tu estavas, lá ou cá, não importa.
Estavas num átomo de tempo sentada, pacientemente, aguardando tua missão: de vivificar este enfermo da vida, esta lástima do desconsolo.
Eu sabia, Mariana.
Ou pelo menos tinha a esperança de que antes do fim, tu chegarias, meu calor, minha única dimensão onde me revejo, me prevejo e me perco na euforia de te saber presente.
Rirás, decerto, na tua juventude radiosa e fremente destes descalabros tontos.
Serão, Mariana.
Mas é o que (re) sinto e m’ecoa peito adentro.
Porventura te maçarei com estes desabafos / confissões que serão esparsas notas de uma qualquer loucura agreste.
Manda-me calar.
Silencia-me e aos meus desrazoados pouco conexos.
Deixarei de te escrever.
Ou escrever-te-ei sem te enviar o escrito.
E já assim, deste feito humilde, encontrarei algum consolo, na certeza de saber, que para além do tempo que em mim estás, há um espaço onde de ti m’aproximo, sorrateiro e em bicos de pés, como uma assombração benigna, para te cobrir os olhos com os dedos e te perguntar:
__”Quem é, quem é, que acaba de chegar, de tão longe, lá do longe, para a menina vir amar?”, e tu gargalhearás daquele forma sonora, espontânea e um nada rouca que me deixa entontecido, orato, doudo pleno…
Sei que um dia terás uns muitos minutos todos para mim.
E essa certeza é bom arrimo, a que m’agarro cioso desse bem que me darás.
Até lá, Mariana, um dia ora outro, te virei soprar às orelhinhas esta poalha louca e sarilheira que m’atesana arcas adentro deste gasto peito.
Ri-te, Mariana…
Fico ataviado com teu rosto em minha mente.
Deixo-te agora para voltar sempre.

Vasco.