domingo, agosto 12, 2007

de Lamego ao Pinhão e a Sabrosa










...E cheguei a Lamego. A pobre cidade esventrou-se e mostra de si entranhas que não cativam visitantes. Quis ir à Serra das Meadas e cortaram-me acessos. Nem uma placa, porque somos todos muitos sabedores de atalhos e desvios. Subi aos Remédios, peregrinação que mal faltaria ao Caminho... Erro. Gente a mais. Carros por todo o lado. O parque mal cuidado ou melhor, descuidado. Fui à Sé. Deserta às 16:00. Assim a quis e a tomei. A Sé dos vitrais, das epigrafadas filigranas, de cúpulas a cerúleo e ocre decoradas de belos frescos, púlpitos de um barroco eloquentes, austera torre sineira de relógio no tempo detido a permeio de erva maninha e a austera fachada, sisuda e tristonha da qual sempre tanto gostei...
Ala, na dança estreitada da contra curva e curva, caminho da Régua a visitar a Igreja proto-histórica de Balsemão, afluente do Douro ancho. Nada, depois da placa inicial e de alguns quilómetros de carreiral entre muros bisonhos de quintas soturnas, nada. O trilho acaba. Não há um sinal. Em frente, o rio e os pilares das pernilongas pontes da nova estrada. Retiro e a refilar, rogando pragas aos edis ignorantes das raizes identitárias de uma Terra. Que ainda por cima, tem um lugar especial num cantinho do meu coração, do final da década de 80...
Colado ao Douro, altivo e argentino, subi ao Pinhão e... mais mal contados 20 quilómetros, avistei Sabrosa. E lá no alto, virado para as Meadas, olhando no espaço o sítio onde cri S. Leonardo de Galafura, recitei:
À proa dum navio de penedos,
a navegar num doce mar de mosto,
Capitão no seu posto
De comando,
S. Leonardo vai sulcando
As ondas
Da eternidade,
Sem pressa de chegar ao seu destino.
Ancorado e feliz no cais humano,
É num antecipado desengano
Que ruma em direcção ao cais divino.
Lá não terá socalcos
Nem vinhedos
Na menina dos olhos deslumbrados;
Doiros desaguados
Serão charcos de luz
Envelhecida;
Rasos, todos os montes
Deixarão prolongar os horizontes
Até onde se extinga a cor da vida.
Por isso, é devagar que se aproxima
Da bem-aventurança.
É lentamente que o rabelo avança
Debaixo dos seus pés de marinheiro.
E cada hora a mais que gasta no caminho
É um sorvo a mais de cheiro
A terra e a rosmaninho!
Ordonho, 1961

Nota I:
Hoje, às 21:05, a RTP 2 apresenta um programa de 50' sobre Torga.
Nota II:
O notável co-fundador do PS, Luís Arnaut, invectivou o governo por não se ter feito representar nas Cerimónias do Centenário do Poeta. Ainda bem, dizemos nós. Este governo não rima com Torga, com Liberdade e com a Humildade dos que, para sempre, perdurarão no respeito pelos Ideais da Democracia.
Nota III:
Comprei atrás da Sé uma bola de carne ressumbrando do forno, e uma caixinha de biscoitos de manteiga, delgadinhos e deliciosos, como fazia a tia-avó TITÓ-I.
Nota IV: Desculpem-me os amigos lamecenses MJQ e JC, mas eu queria tanto escrever bem da Vossa Terra....