Asas em Tempos Não Idos
Ontem decidi que hoje não vou fazer 56 anos: assumirei minhas 56 asas. Vou mergulhar rasantes sobre o mar de Ipanema e aterrisar no Pier com 23 asas. Não me valerei de nenhum freio, afinal, com 23, quem deles necessita? Serei perdulária e me valerei de mais duas, só pra tomar um porre no Lamas e repousar a bebedeira sobre as páginas do Livro Vermelho de Mao e as folhas desgastadas do Écrits, de Lacan. Depois, mal sustentando as pernas, recolherei 10 asas e ganharei um beijo do menino sardento (seria Felipe, Luis ou Luis Felipe?) nas escadas do prédio, entre o segundo e o terceiro andar. Mas desta vez não ficaremos presos pelos nossos aparelhos ortodônticos e escaparei da vergonha. Não temerei uma provável gravidez já que terei a ciência da décima terceira asa que, apesar de odiar a monotonia científica da professora Célia, me garantiu que beijos não engravidam. Já devidamente tranquilizada, vou inventar uma nova matemática e das 13 asas pularei para a décima oitava. Empinarei o nariz e sobrevoarei as salas do velho IFCS (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais). Não assistirei as aulas de Lógica Matemática e desta vez não levarei bomba. Repetirei ad eternum as aulas de Metafísica e recitarei Aristóteles de trás pra frente (Platão, dividirei com os mais íntimos). Nos corredores, de preferência no da cantina, tramarei revoluções , mas desta vez optarei pelas estéticas. Está certo, confesso, ainda acredito no povo no poder, mas o que fazer quando as 38 asas sobressalentes me filiaram ao partido do Belo e me repetem que a arte unida jamais será vencida? Mas não importa, com a arte no poder, o povo está junto.
Amanhã, quando a próxima asa encaixar nas minhas costas, o tempo não terá nenhuma importância. Vou ir e voltar na hora que me der na veneta. Serei idosa sem tempos idos.
Marcia Frazão
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