quarta-feira, julho 30, 2008

carta afável

Podia começar por dizer-te: O lugar nunca é o mesmo. E depois acrescentar, Eu sou a inconstância.
Sabes, a vertigem é um movimento de perda agitada, um penar sem olhos e de pés perdidos. E nós somos pouco menos do que uma folha teimosa e ainda forte, complacente e presa ao ramo que a lia ao tronco que a seiva... a folha, que luta num bailado estranho contra o vento sandeu que a quer, as bátegas de água irada e os frios desapiedados dos invernos longos que punem.
E é no sereno outono que a folha ousa a última amplitude da sua fatal liberdade, desprendendo-se exausta de tentada.
E caindo o vento a leva triunfante até a deixar à noite que a mirra, ao sol que a cresta e ao pé que a pisa.
E então, enfim, a terra mãe cuidosa a acolhe, e no calor mineral de seu seio dela faz húmus de novo ciclo, à folha que lutou para ficar à árvore presa e perdeu e caiu e se perdeu.
E é caída que enceta a deriva, os passos da perdição, a inconstância.
Podia pois começar por dizer-te, o lugar nunca é o mesmo.
Mas para quê, se bem o sabes?
Não sabes tu, penada alma, o mesmo que eu sei de perdição?
O incidente instante do intento das nossas perdições, serviu só para te dizer:
Eu sou a inconstância e nem a húmus chegarei...