segunda-feira, fevereiro 23, 2009

Pessoa e os (efémeros) sábios no poder


I. Introdução

O poema que transcrevo está datado de 3 de Outubro de 1935
(escrito exactamente 57 dias antes do falecimento de Fernando Pessoa).
Se no texto não será (de todo) difícil encontrar uma alusão irónica à máxima do Estado Novo: se soubesses o que custa mandar preferias obedecer toda a vida
… verdade é também que a sua intemporalidade, o situa em todos os tempos, (passados, presentes e do porvir)…
conquanto haja autocracias regentes
maiorias absolutas vigentes
sábios engenheiros tiranetes de desdenhosa arrogância
discursos impositivos de demagógico e cosmético cinismo
(ou de cândida ingenuidade, vítima das conjunturas & das estruturas ou das estruturas & das conjunturas)
distorções e manipulações mediáticas do real e do coiso e tal
talentosos(as) sabiás
cortes de bobos, para-bobos, infra-bobos & escassos supra-bobos
(em contínuos salamaleques de cerviz caída)
varas de surdos
(escorrendo pustulentas babas dos auriculares)
récuas de mudos
(unissonizados em cacofonias gemebundas)
autistas alheados e resistentes ao circundante…

II. Desenvolvimento

Pessoa em 4 quadras
(forma pelo poeta praticada para desenhar uma universalização de conceitos mais intelectualizados, perífrase de servir cultura ao vulgo)
quase a gosto popular
(há-os que formalizam e despacham a gosto populista)
assim escreve:

OUVI OS SÁBIOS

Ouvi os sábios todos discutir,
Podia a todos refutar a rir.
Mas preferi, bebendo na ampla sombra,
Indefinidamente só ouvir.

Manda quem manda porque manda, nem
Importa que mal mande ou mande bem.
Todos são grandes quando a hora é sua.
Por baixo cada um é o mesmo alguém.

Não invejo a pompa, e ao poder,
Visto que pode, sem razão nem ser,
Obedece, que a vida dura pouco
Nem há por isso muito que sofrer.


III. Conclusão

…protestamos-lhe o estoicismo e a sombra do ouvir
E porque a vida dura pouco, há-de chegar (chega sempre) a hora de agir.


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