Eros em Soutosa
"A meus pés, a menos de tiro, passava a ribeira sobre areal e terras de paúl, um cabelo d'água com a estiagem onde as rolas vinham espenujar-se ao sol poente. (...) De longe em longe uma pastora vinha para ali apascentar as vacas, e eu muito lhe admirava a cinta pura e flexível e o jarrete nu sob a saia de grande roda. Não pressentindo viv'alma por aquele descampado, todo o seu instincto animal se lançava à franca na natureza. Acocorando-se à beira d'água, abria a saia e o colete e espulgava-se. Seu corpo era viçoso e bem entroncado, da cor do trigo quando está na eira. Catava-se, coçava-se, e com curiosidade ingénua punha-se depois a arrepelar o velo loiro e os mamilos vermelhos dos seios. E, núbil e desejosa, eu sentia-a já a embalar um berço ao som magoado da Rosa-tirana; ela, desatando as negras tranças, com um caco de pente amanhava o cabelo. Outras vezes, de saia arregaçada até as virilhas, ia chapinhando pela corrente fora atrás dos peixinhos. Macissas e tentadoras eram as coxas, mas os requebros inocentes como de pomba e descuidosos como de ninfa. E porque assim era, porque seu jeito se fundia na sinceridade da natureza, minha mente vibrava d'aquelas inefáveis delícias do anjo, ao surpreender no toucador à Virgem Maria.
No pasto pelado, sem detença de maior, as vacas moscavam; a boieira despedia atrás d'elas, e só então a lúxuria se me ateava nos nervos, acesos pelo lume vermelho do lenço vermelho a esvoaçar."
Aquilino Ribeiro, A Via Sinuosa, pp. 208/209, 2ª ed., 1919, Livrarias Aillaud & Bertrand, Lisboa.
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