segunda-feira, abril 13, 2009

Enquanto subia a escadaria, ocorreu-me esta frase, não sei se de minha lavra ou lida algures: o tempo outorgado aos mortais não é infinito e o fruto de muitas conversas é vão. *
A que vai morrer dentro em pouco, que o sabe e até o suplica, farta do não-viver e do sofrimento que a suplicia, a que vai morrer, esperava-me.
E era a essa espera, derradeira, que se arrimava, dentes rilhados para suporte da dor.
Entrei. Tinha o quarto, amplo e de tectos altos, a luz de uma aurora de verão. As janelas largas, abertas de par, traziam do jardim o odor doce das tílias, o gorjeio da passarada e a amenidade convivial de um bucólico dia. Era leve e perfumado, o ar.
Enfim, olhei-te com o rosto crispado e os olhos prestes para a desgraça. Preparei-me para o fazer de frente. Mas não o suficiente. Cinzentos e baços, os olhos fitos em mim, eram teu rosto. Os malares, dois muros de cera, onde a pele, hirta, secava. Os lábios, de uma lividez arroxeada, perdida a polpa rubra dos sorrisos largos e sardónicos, eram um fio ténue que os dentes alvares já perfuravam, sôfregos. O teu cabelo. De negro passara a alvo. De espesso, a ralos fiapos. De sedoso e ondulado, a crespos e parcos tufos suados. As mãos, pousadas no peito, num treino escusado, com os dedos longos e finos como caniços, já tinham cedido à morte, a cor e o gesto.
Fitavas-me, atenta. Percebi que sorrias por não poderes rir. Rias de mim, no teu jeito irónico de sempre. Rias do meu estupor perante a devastidão da morte. A tua morte.
Um rouquido som saiu de tua boca. Distorcidas as palavras, não o percebi. Acenaste com a cabeça para me aproximar, e junto a ti e ao frio arrepiante que exalavas, ouvi-te sussurrar: --Achas que dê gorjeta ao barqueiro? E de seguida, dilacerada por tal e tão supérfluo esforço, finaste-te sem que a palavra de atrição, há quinze anos esperada, fosse ouvida... a desculpa que até no fim, desdenhosa, almejaste iludir.
* Agustina ?!