domingo, abril 12, 2009

Fragmentos de umas palavras que proferi em Sernancelhe, 25/05/08

(Iª Parte)

Se há topos que se me presentificam constantes nesta tão efémera vida, um deles é a Lapa. Por esse retorno, por essa porfiada revisitação, como os romeiros de há cem e duzentos anos, sic et vulgus, enseja-me adagiar voto e rifão:
Adeus, Siôra da Lapa,
Adeus, té o ano que vem;
Façais vós o que vos pido
E cá vos trarei meu bem.
Dava os primeiros passos na docência, asinho corria 74, fui colocado na secundária de Barrelas. Aos domingos à tarde, mais rópia de amigos, vínhamos à Lapa suciar, por desfastio. Chegávamos à taberna do Luís, frente ao Pelourinho, encomendávamos um borrego bem limpo de seus beduns, assado no forno a lenha, com batata tamanhinha das bandas do Viduínho, arroz seco, em espadela de barro negro, com carqueja do arredol, e lestos, esmoíamos trinta mocas à sueca, a tinto riodemoinhense inflamadas, com muitos massetes de permeio, cartas calcadas e bem batidas de punho, miradas certeiras à bisca seca, caneladas sob a mesa, arroubos de arrenúncia e… lá no termo da concentrada quão belicosa pugna, os perdidos, desconsolados mas sem tristeza, esportulavam das delgadas bolsas o estipêndio para o conduto. Era o singelo domingo dos laparotos, saídos da lura a espairecer…
Vim à Lapa por curiosidade. Vim à Lapa por devoção. Vim à Lapa por Aquilino. Vim à Lapa mercar queijo, comprar pão e venho à Lapa, sempre e de prazer bem ancho, a convite da autarquia sernancelhense e por mor da nossa comum aquilinofilia.
A Lapa de hoje é de uma fidalguia faustosa por analogia a esses tempos de quase olvido. E felizmente que assim é, para prosperidade dos lapenses e para justa glória do seu Santuário.
Cento e quarenta e um anos separam termos de nascença de dois Homens à Lapa ligados. Uma légoa velha as terras que os viram nascer, Gradiz e Carregal, e as terras onde passaram muitos dos seus anos, Fraga e Soutosa. Em comum, a sua ligação à Lapa, e mais entranhadamente ainda, a sua supina competência de grandes filólogos que foram. E esse tributo é-lhes devido, hoje e sempre, também aqui e agora, pelo grandioso contributo que deram à Lusíada língua.
Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo, nascido em 1744, na povoação de Gradiz foi autor de notáveis obras, de entre as quais sobressaem Cronologia da Igreja de Portugal e a maior, Elucidário, cujo Iº tomo vê prelo em Lisboa em 1798, considerado o 1º dicionário da Língua Portuguesa. Foi este sábio frade nomeado, de 1794 a 1797, Director do Colégio da Lapa, ou Seminário da Lapa, que havia sido encerrado pela lei de 3 de Setº de 1759, com expulsão dos Jesuítas, por Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal. Segundo Viterbo, assim tendo permanecido por trinta e cinco anos de silêncio, desolação e miséria, em que jazeram as mal afortunadas aulas deste colégio.
Estava então o Seminário ou Colégio situado na freguesia de Quintela da Lapa, ora integrada na comarca de Moimenta da Beira, concelho de Caria e Rua, sendo pertença dos Jesuítas do Colégio de Coimbra. Frei Joaquim tem longa e profícua vida, falece em 1822 e encontrou sepultura a uma légua daqui, no Convento da Fraga, a meia distância entre a antiga porta do capítulo e a que dava serventia para a portaria do Convento.
A título de mera curiosidade, seja aqui referido que os belíssimos Claustros deste Convento, com o beneplácito do Estado Novo e seu mor corifeu (passe a tautologia), foram integralmente cedidos aos doutores Abel e João Lacerda, sendo hoje, a parte interior aberta do Museu de Arte do Caramulo. Se bem que preservados, são enxertia que não consorcia o granito deste planalto e do vale de Ferreira, com o xisto negro daquelas bandas, ademais uma profanação patrimonial de pouca dignidade para quem dela foi cúmplice.
Voltando ao nosso sábio Viterbo, designa ele no tomo II, pp. 358/359 do Elucidário, por lapêdo, terreno penhascoso ou cheio de pedras, com etimologia remontante a 1101. Citamos: Chamaram pois lapêdo à grande cópia de pedras, assim como disseram arvoredo, moireredo, figueiredo, pelas árvores, amoreiras, figueiras, etc.
O muito bem elaborado Roteiro Turístico de Sernancelhe, assim refere a Lapa: (…) povoado anexo da freguesia de Quintela, situa-se a cerca de mil metros de altitude e cresceu por entre serras enfraguadas e rigorosos nevões invernais. Terra pequena, de construções de granito enegrecido pelos ventos do Marão, é na Lapa que nascem os rios Vouga e Paiva. A história desta localidade começa em 1493 com o aparecimento da imagem de Nossa Senhora debaixo de uma lapa. A lenda tomou proporções nacionais e, sem demoras, surgiram as primeiras construções naquele local. “Para abrigo da Imagem, e resguardo temporário dos fiéis, principalmente no tempo de maior afluência deles, construiu-se um oratório e levantaram-se algumas barracas simples”, diz Abade Vasco Moreira, no livro “Sernancelhe e Seu Alfoz”.
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