o regresso
Não te guardo ressentimento, diz a casa. A ti que toda me dei e tanto te guardei. Nunca percebeste que engrossei, por ti, as paredes. E quanto isso me custou. As veias a ficarem grossas e quase dilacerarem a fina pele. Amparei-te nos degraus quando neles caías. Nunca viste que a meio os dobrava como o concavo de uma palma de mão. E quando fugias para o sótão… as madeiras podres que mudavam céleres, de sítio, à chegada de teu pé. Dos vidros riscados de tantos olhos, nas velhas janelas, fiz telas que enfrentavas curioso quando de castigo arrastavas revoltado a lamúria.
Eu tinha que sair de ti, meu duplo ventre, respondo perplexo. Sabes que sempre voltei. Até quando? Não está na minha ciência prevê-lo. Eu volto repetidamente. Mas tenho que ir. E mais das vezes não sei onde e a única certeza és tu, que não és o para onde vou. Também parto ciente que as mais voltas que ao mundo der são curtas para suster o apelo da tua voz.
Então porque demoraste tanto a vir, desta vez? pergunta ela. De dor esboroei uma parede e sete telhas eu rachei, para por elas, lá do alto, te acenar.
Eu vi. E voltei. Estava preso numa teia fina feita com fios de marfim. Muito doeu libertar-me. Mas a tua calidez não está nenhures, que não dentro de ti.
Fica, pois. Agora que chegaste as tábuas do sobrado não mais rangerão a dor das fibras. A porta ficará solta e a fechadura lesta. Olhar-te-ei das tábuas do tecto. Onde estiverem os nós do castanho rasgarei olhos e ouvidos para te verem e ouvirem. Na velha cozinha, erguerei um fogo antigo de incenso e no forno, há tanto frio, cozerei a triga milha. Farei correr a fresca água do tanque, filtrada pelas morugens, para te dessedentares…
Ficarei, então. Quero apenas os meus livros, uma travesseira grande e meiga e a coberta antiga. De papa, dizia minha mãe. E eu olhava as cores vermelhas e amarelas e pensava, O Papa é um arco-íris.
Tudo terás. Promete-me apenas que me olharás todas as restantes noites e adormecerás nos meus olhos…
Nos teus olhos quero adormecer. Oxalá nenhum ruído mais me afaste.
Oxalá…
15:12
20 de maio
Eu tinha que sair de ti, meu duplo ventre, respondo perplexo. Sabes que sempre voltei. Até quando? Não está na minha ciência prevê-lo. Eu volto repetidamente. Mas tenho que ir. E mais das vezes não sei onde e a única certeza és tu, que não és o para onde vou. Também parto ciente que as mais voltas que ao mundo der são curtas para suster o apelo da tua voz.
Então porque demoraste tanto a vir, desta vez? pergunta ela. De dor esboroei uma parede e sete telhas eu rachei, para por elas, lá do alto, te acenar.
Eu vi. E voltei. Estava preso numa teia fina feita com fios de marfim. Muito doeu libertar-me. Mas a tua calidez não está nenhures, que não dentro de ti.
Fica, pois. Agora que chegaste as tábuas do sobrado não mais rangerão a dor das fibras. A porta ficará solta e a fechadura lesta. Olhar-te-ei das tábuas do tecto. Onde estiverem os nós do castanho rasgarei olhos e ouvidos para te verem e ouvirem. Na velha cozinha, erguerei um fogo antigo de incenso e no forno, há tanto frio, cozerei a triga milha. Farei correr a fresca água do tanque, filtrada pelas morugens, para te dessedentares…
Ficarei, então. Quero apenas os meus livros, uma travesseira grande e meiga e a coberta antiga. De papa, dizia minha mãe. E eu olhava as cores vermelhas e amarelas e pensava, O Papa é um arco-íris.
Tudo terás. Promete-me apenas que me olharás todas as restantes noites e adormecerás nos meus olhos…
Nos teus olhos quero adormecer. Oxalá nenhum ruído mais me afaste.
Oxalá…
15:12
20 de maio
paulo neto, viseu
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