domingo, outubro 28, 2007

Corpos comunicantes (?)


Já que vieste, entra.
(Desculpa esta expressão. Soa-me ao “já agora” do cumprimento.)
(Estou sempre à tua espera. E estarei, pois não vens para ficar e daqui a pouco partirás.)
A casa está vazia mas tenho livros novos.
(Abro as janelas e entra luz e ar. Miro-te de soslaio para não te constranger com os olhos. Estás mais magra. Tens olheiras. Um pouco desarrumada. Pressinto em tudo que vens a sofrer de algures mais um chagrin. Nada te pergunto. Não sei se queres falar. Não sei se quero ouvir. São tramas tão de mim ausentes…)
Queres que te encha a banheira com água quente?
(Baixas os olhos e não respondes. Acendes mais um cigarro que muito me incomoda. E tu sabe-lo. É o quarto e só há pouco entraste. Noto-te as unhas descuidadas nas agitadas mãos de sempre, grandes e ásperas. Mãos de bater. Mesmo o cabelo vem quebrado e corredio de tanto adejar. Sem graça. Só aos olhos deste um contorno em negro.)
Queres que leia para ti?
Não.
Vou-te descascar maçãs?
Não.
Ponho música?
Não. Senta-te só ao pé de mim. Assim. Abraça-me por trás. Respira-me na nuca. Agora, mexe nos meus cabelos, no meu pescoço. Sim. Respira comigo. Eu conto até três e expiramos todo o ar. E após, até três de novo, e inspiramos juntos.
(E eu adormeço.)
(Quando acordar estarás ainda imóvel, com os dedos, as mãos, os braços e o tronco dormentes. E eu estarei lassa e queda. Então encherás a banheira. Despir-me-ás. Dobrarás a minha roupa amarrotada. Dar-me-ás um longo banho cálido com os sais do oriente, para mim guardados. Depois, secar-me-ás o corpo e os cabelos, a teu modo.
Lavarei a boca para te agradecer.)
Bem hajas.
(Comerei duas maçãs por tuas mãos dadas e uma colher do mel.
E porque então já será noite, partirei. Não sei para onde nem sei porquê. E nada me dirás. Nunca dizes. Cerrarás a porta quando deixares de me vislumbrar, lá além.)
Voltarei. Adeus. (Sussurro ainda.)
Adeus. (Fico à tua espera.)

(Novº de 2006, publicado in camerobscura)