terça-feira, agosto 12, 2008

António Nobre (1867-1900)

CARTA A MANUEL (excerto)

Manuel, tens razão. Venho tarde. Desculpa.
Mas não foi Anto, não fui eu quem teve a culpa,
Foi Coimbra. Foi esta paisagem triste, triste,
A cuja influência a minha alma não resiste.
Queres notícias? Queres que os meus nervos falem?
Vá! dize aos choupos do Mondego que se calem
E pede ao Vento que não uive e gema tanto:
Que, enfim, se sofre, abafe as torturas em pranto,
Mas que me deixe em paz! Ah tu não imaginas
Quanto isto me faz mal! Pior que as sabatinas
Dos ursos na aula, pior que beatas correrias
Das velhas magras, galopando Ave-Marias,
Pior que um diamante a riscar na vidraça,
Pior eu sei lá, Manuel, pior que uma desgraça!
Histeriza-me o Vento, absorve-me a alma toda,
Tal a menina pelas vésperas da boda,
Atarefada maila ama, a arrumar...
O Vento afoga o meu espírito num mar
Verde, azul, branco, negro, cujos vagalhões
São todos feitos de luar, recordações.
À noite, quando estou, aqui, na minha toca,
O grande evocador do Vento evoca, evoca.
(...)