terça-feira, dezembro 30, 2008

"Cinco Réis de Gente"

Carregal, Sernancelhe

Aquilino Ribeiro escreve "Cinco Réis de Gente" em 1948. É sem dúvida a primeira tábua de um políptico autobiográfico, já em 1913 começado com o conto "O Remorso", in "Jardim das Tormentas" e rematado, postumamente, em 1974 (dat. de 1972 e escrito em 1962) com "Um Escritor Confessa-se". Deixo-vos o incipit dos 1º e 2º capítulos, fazendo votos de vos aguçar a curiosidade para a leitura integral (na Bertrand, a ed. do Centenário, 1985, custo menos de 10 euros).

I
Retrocedendo nos limbos do passado até onde a minha memória é como a lanterna dum mineiro perdido no fundo duma galeria, que vejo? Vejo no grande e desmantelado pátio fidalgo a nossa casa, de lojas para animais e habitação, com sua obsequiosa escada de pedra e um esgrouviado sabugueiro a bater atónito nas vidraças, que deitavam para o povo, sempre que o Soão soprasse mais forte. (...)


II
Eu sou de família em que as donas se assentavam em esteiras. Muito amor e poucos afagos. Nunca conheci as blandícias e a variadíssima bichinha-gata da ternura civilizada. Na aldeia, para acariciar, não passeiam a mão pela cara das pessoas queridas. Semelhante ordem de meiguices são prerrogativas da gente urbanizada. Para o camponês o rosto é sagrado; tabu; não se lhe toca. (...)
Boa leitura!