domingo, maio 17, 2009

Revisitar as origens ceboleiras

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A tia Rita, a célebre adepta do Beira-Mar, que vivia nos Botirões, tinha dois irmãos:
a tia América (em homenagem aos States) e o francês Albert (não me perguntem porque era francês porque nunca vos responderei; é um segredo de família que se vai diluindo de geração em geração até ninguém mais se questionar sobre o assunto).
A tia “USA” teve uma filha. A belíssima, exótica e misteriosa Soledad Naya.
Muito cedo viúva de um comandante da marinha mercante, fizera vida social em Lourenço Marques até vir definitivamente para a metrópole, tendo sido a mulher de toda a vida do Professor Bissaya Barreto e, profissionalmente, directora da Fundação com o mesmo nome, até à sua morte, finais de 80.
Havia em sua casa, na Avenida do Brasil, em Coimbra, quadros de artistas conhecidos que a procuravam para a pintar.
Era sobrinha do meu avô Albert.
A quem vi uma vez, em Agosto de 1962.
Tinha residência em Oran, em Barcelona e em Nantes.
Homem próspero, perdeu muito do que tinha com a independência da Argélia, iniciada em 1954 e concluída em 1962.
Contudo, era daqueles que partilhava da ideia colonialista “L’Algérie est française et le restera”, logo, completamente em oposição ao FLN, Front de Libération National, integrando as fileiras operacionais das tenebrosas OAS, Organisation Armée Secrète, de extrema direita, que em Julho de 1962 atentaram contra a vida do então presidente, general De Gaulle, que apodavam de “O cão traidor”, o que deu origem ao filme de Fred Zinneman, inspirado na obra de F. Forsyth, “O Dia do Chacal”.
Certo é que o avô Albert, que tinha acabado de transferir, em 1962, de um banco de Oran para Barcelona, a desmesurada quantia de 11 mil contos (recordo-me de o meu pai dizer que dava para comprar 200 Mercedes-Benz alta gama), veio a Portugal, pela primeira vez em 30 anos, conhecer os 3 filhos: os tios Alcides, João e minha mãe.
Lembro-me dele, do seu sotaque esquisito, do semblante muito carregado e austero, da bicicleta verde que me comprou e de um longo e três racée carro de matrícula francesa, um Simca Plein Ciel
Não aceitou ficar em nossa casa.
Hospedou-se na única pensão do Sátão, a Império (premonitório nome) e um dia que o visitei no quarto, arregalei-me a olhar a grande pistola e muitas balas que tinha sobre a secretária, e que lesto arrumou numa mala, enquanto me enxotava para fora do quarto.
Não há fotografias do avô francês porque ele não as permitia.
Lembro-me de ter obrigado o meu pai, fotógrafo amador apaixonado, daqueles que andavam sempre com a Leica como hoje nós andamos com a digital, a tirar o rolo da máquina e a inutilizá-lo, depois de o ter captado numa rara efusão afectiva com minha mãe.
Albert era casado com minha avó Florinda.
Era também casado em Oran, onde tinha um filho, argelino, engenheiro civil, que dirigia os negócios de construção familiares.
Era ainda casado em França, em Nantes, onde tinha dois filhos, meus tios, mais novos do que eu.
A miúda chamava-se Yvonne, do rapazinho já não me lembra o nome.
Entretanto, como chegou, desapareceu.
O meu pai, entretanto colocado no Consulat Général de Portugal à Paris (Rue Édouard Fournier, Paris XVIè), tentou contactá-lo.
Usou todos os meios, incluindo os diplomáticos ao seu alcance.
Por mais incrível que pareça, Monsieur Albert não existia, não se lembravam dele no endereço de Nantes, nem havia nenhum documento oficial que provasse a sua existência.
Ainda hoje ignoramos (embora suspeitemos) porque mudou de nome e desapareceu.
Ora aqui está o fio narrativo de uma urdidura que, bem tecida, daria uma bem ficcionada novela.
Soubesse eu escrevê-la!