Domingo, 5
A parte de Viseu onde moro, tem nos Domingos de manhã, todos os sons que recordo da vila pacata onde cresci. Entre as 04 e as 04:30 desperta a passarada, madrugadora, num chilreio que enche o dia. Voam baixo e atordoados, ao correr das marés da aragem. Quando saio, 07/08, canta um galo algures para Vildemoinhos, responde-lhe outro de Orgens, não lhe fica atrás um de Paradinha. Ladra um cão além, outro late à voz do dono. Sai o fumo lideiro das chaminés. Os madrugadores são invisíveis. Não há vivalma. Os sinos de São Salvador chamam os fiéis.
Os prumos imponentes que ontem desmesuravam, longe, as orlas do maciço do Caramulo, viajaram de noite e chegaram a Viseu. O céu está baixo, pesado, escuro. Trazem muita água, estas nuvens que o sol não rompe. A manhã está fria quando ontem estava quente. E esta intermitente indecisão do tempo, soturnos e instáveis nos torna. Também os planos se desmoronam. E se decidida na véspera a provinciana ida a ver o mar, a vontade contende nesta cinza fresca e ganha inércia que o ânimo não transpõe.
A telefonia dá notícias. Desoladoras. O grupo PSA-Citröen de Mangualde vai entrar em lay-off. Os 1500 trabalhadores de há dias, que já são 900 hoje, passarão a ser 300 amanhã... por uma alegada baixa de produção de 60 para 30 mil veículos produzidos, porque o mundo deixou de ter dinheiro para gastar em automóveis. A Páscoa, que é Ressureição, para estes trabalhadores será de opressivo desespero. Estes operários que já aceitaram redução de horas, redução de salários, alternância de dias em casa e que, voluntariosos, acorrem sempre à chamada como se fossem os ricos senadores dos conselhos de administração, a troco de magros 450 euros... Que em breve deixarão de receber. Estes 1200 novos desempregados, gente remediada à força da labuta dura, com os seus agregados familiares, crescerão para perto de 5000 pessoas à beira da pobreza. Os novos pobres que enxameiam Portugal. Estas sociedades não-afectivas (que outro nome lhes dar?) são geradoras da violência. A violência que todo o cidadão perceptibiliza e teme e que os políticos, atrás dos vidros fumados das suas imponentes limusinas, não lobrigam, ignoram e desvalorizam, para não serem confrontados com a falência das suas cínicas políticas virtuais.
Há regiões do país onde a revolta se cheira e se ouve. Num país atarantado com escandalosas corrupções, intimidações de uma Justiça apática, convidativas absolvições ao dobrar da esquina, penaltis, faustosas inaugurações à custa do contribuinte, ministras engasgadas rodeadas de muletas carunchosas..., onde os Citröens de baixa gama não têm compradores, mas desaparecem dos stands, como manteiga em focinho de cão, os topos de gama da Bentley a 300 mil euros de entrada.
As fissuras estão irreversivelmente mais fundas a cada dia que passa.
Os USA do tinhoso bush e o seu neo-liberalismo de rapina`"à madof", saquearam o planeta...
É Domingo, o sol espreguiça-se, arregaça as mangas e anda à trolha com as nuvens. Ainda vivo num oásis de paz. É pouco, erguer as mãos de gratidão. Por quanto tempo, esta paz podre?
<< Home