quarta-feira, fevereiro 28, 2007

sereno ser



as cordoveias retomaram seu pulsar cordo...

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

o mar que nos aparta


fendida ponte
no cerúleo mar...
como te dizer tal saudade?

domingo, fevereiro 25, 2007




hoje peixe


CARNAC

Les menhirs la nuit vont et viennent
Et se grignotent.

Les forêts le soir font du bruit en mangeant.

La mer met son goëmon autour du cou -- et serre.
Les bateaux froids poussent l' homme sur les rochers
Et serrent.


Guillevic, Terraqué, Gallimard, 1945.

ps:
já publiquei este texto e republicá-lo-ei sempre que o lembre, pelo muito que me diz...

sábado, fevereiro 24, 2007

hoje ave

d' olho ao vento dado rés à nuvem fendido o tempo páro
na brecha aberta s' esvai d' ignomínia dos vis equívocos

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

riscografias 9 - elfi


3. do céu a chorada lágrima


2. do rio o rolado seixo


ÁGUA

1. da escarpa o pranto

lamúria



referve a angústia temperada a pranto no cansado canto em riste

persiste o sustenido das carpideiras nas choradeiras que o ar pesado
enfastiado longe estrénue afasta e arrasta no som que o dia envolve

revolve o peito cansado e chorado ocaso cai
vai chegar a noite e a foice ofende e sega
e nega ao frio alento um vento que acolha
e recolha o suspiro derradeiro não o primeiro

(mais ligeiro que a dor sorveu)
da refervida angústia de tão triste já cansada

terça-feira, fevereiro 20, 2007

carta a mariana


Viseu, 2o de Fevereiro de 2007


Mariana:

O desejo profundo que sinto, todo em mim latente, no corpo, nos poros da derme, na mente, traz-me aqui às letras com que formo palavras e componho as frases em que me escrevo.
Para ti, Mariana.
Sou o teu dizer mais desajeitado, a inabilidade plena em usar palavras de um léxico tão novo para mim, tão estranho e ao mesmo tempo tão dulcificante…
Porque nunca usei estas palavras?
Porque tu não estavas presente, Mariana, e assim, deste modo, avaro e persistente, criei uma arca onde as guardei durante décadas, para ti, Mariana.
É parca dádiva, pensarás, e por educação, de teu grácil natural, não confessarás… mas para mim é tanto.
Tanto quanto o muito tempo que as conservei in-ditas.
Nunca meus lábios as proferiram.
Nunca meu coração encontrou a comunhão imperiosa ao proferir.
Nunca minha boca ousou dizê-las.
Sabes, é um pudor sem jeito, este, que me assola.
As próprias palavras não encaixam ainda perfeitamente no meu modo de dizer, talvez por tanto as ter durante muito tempo repudiado.
As palavras têm alma, sabias?
E amam-nos ou odeiam-nos como as pessoas, ou talvez mais.
Não sei, nem quero falar em ódio num dizer para ti.
Nos dias perdidos da minha vida és o final milagroso com que tanto sonhei e tanto tardou a vir.
Já quase desesperava nesta outoniça e lenta de desgastada caminhada.
Mas tu estavas, lá ou cá, não importa.
Estavas num átomo de tempo sentada, pacientemente, aguardando tua missão: de vivificar este enfermo da vida, esta lástima do desconsolo.
Eu sabia, Mariana.
Ou pelo menos tinha a esperança de que antes do fim, tu chegarias, meu calor, minha única dimensão onde me revejo, me prevejo e me perco na euforia de te saber presente.
Rirás, decerto, na tua juventude radiosa e fremente destes descalabros tontos.
Serão, Mariana.
Mas é o que (re) sinto e m’ecoa peito adentro.
Porventura te maçarei com estes desabafos / confissões que serão esparsas notas de uma qualquer loucura agreste.
Manda-me calar.
Silencia-me e aos meus desrazoados pouco conexos.
Deixarei de te escrever.
Ou escrever-te-ei sem te enviar o escrito.
E já assim, deste feito humilde, encontrarei algum consolo, na certeza de saber, que para além do tempo que em mim estás, há um espaço onde de ti m’aproximo, sorrateiro e em bicos de pés, como uma assombração benigna, para te cobrir os olhos com os dedos e te perguntar:
__”Quem é, quem é, que acaba de chegar, de tão longe, lá do longe, para a menina vir amar?”, e tu gargalhearás daquele forma sonora, espontânea e um nada rouca que me deixa entontecido, orato, doudo pleno…
Sei que um dia terás uns muitos minutos todos para mim.
E essa certeza é bom arrimo, a que m’agarro cioso desse bem que me darás.
Até lá, Mariana, um dia ora outro, te virei soprar às orelhinhas esta poalha louca e sarilheira que m’atesana arcas adentro deste gasto peito.
Ri-te, Mariana…
Fico ataviado com teu rosto em minha mente.
Deixo-te agora para voltar sempre.

Vasco.

Costa Nova



como tu
o mar não foge
o mar
vem e vai
vem
como tu
hoje e outrora

carne, vale! (adeus carne)



que ninguém tire a máscara, pelos menos hoje...

segunda-feira, fevereiro 19, 2007

sem máscara


boa noite de carnaval...

domingo, fevereiro 18, 2007

Canción de Dom Rocinante, el caballo fantástico de Dom Alonso Quijano



Castela de sol ardente e gretado solo ardido
Será loucura ruminar em água fria e verde pasto?
Doloroso afago d’esporim sentido
Sol que faz heróis e estiola o duro casco…

Ah rocinante, ginete de cavaleiro andante
Surdo ao zurrar bronco do asno companheiro
Atento às cortesias deste doudo demandante
Matuto neste embalo d’osso em chouto levadeiro

Alonso Quijano não leias mais; de frente Aldonza Lorenzo mira
E naquele moinho mais branco cerca-a tal gigante
E corre após, com ela engrinaldada, a Dom Gaifeiros acudir à ira
Sombreando-me… que a canícula m’adormece arfante

Estóico sou eu, ai quão estóico!
Alonso o generoso é só bom e Dom, Nosso Senhor
Louco nos libertará jamais peitando o gesto heróico
Além há uma cruz… mira la cruz Alonso… que fulgor…

O Calvário deste sonho visionário cessará
Deste encanto que em lamento se ordena extravagante
E afrontoso do desastre que ao desastre enfrentará
Tanta mágoa qual demanda em liberdade busca impante

Ah rocinante, ginete de cavaleiro andante
No exílio a erva será verde, a terra morna e eu livre enfim
De lamber mil ferimentos e codilhar farfante
Recolhido tu na torre escura dos cavaleiros-poetas-delfim

E aí o tomará Aldonza, a las cinco de la tarde, em seus braços de Dulcineia
(Pietá que exalta a las cinco de la tarde o lamento quixotesco cessante
Do homem livre, a las cinco de la tarde, da alma livre, do livre ilimitado, da ardente veia…)
Ah rocinante, a las cinco de la tarde, ginete de cavaleiro andante

Chocalha-me tal e tanta lataria deste vivo ideal
Que transporto em tanta dor
Meu Senhor Nosso Senhor

“não repare vossa mercê em ninharias, senhor Dom Quixote, nem aperte tanto a cravelha que estoira a corda! Representam-se para aí todos os dias comédias recheadas de absurdos e baboseiras e ninguém lhes vai à mão. Pelo contrário, fartam-se de receber aplausos, vento em popa!”

Sancho tolo, Santo pança que nunca leste um livro, nem a Tormes foste vivo
E és conselheiro dos que afrontam o rei
Oh que corte tão leal sem grei!

Dom Quixote e Sancho Pança, Rocinante e bronco Asno andante
Trupe luminosa ao sol cegante de Castela
Bolinando, nos olhos ocos dos bufões de vento em popa, a vela!


olhar


não olhas para mim por mim antes olhas por olhar
e ao olhares-me tu assim estás-me aos poucos a matar

sem ti



um sino que ecoa um som


um pássaro que voa um adejo


uma árvore que cresce uma seiva


um rio que corre uma vida





num espaço vazio sem ti


num tempo vazio de ti


reordeno memórias hábitos


e o sino plangente chora


e o pássaro atordoado cai


e a árvore estremunhada seca


e o rio represo pára





como eu sem ti parei



não ocupo espaço e tempo


sem ti espaço e tempo


não têm sentido nem viver


sem ti não há espaço nem há tempo


não há razão de viver.

acto único


quantas camadas de fogo quantos séculos?

no sítio onde nos amámos floresceu um tufo tonto de ginestri

e quão longe estávamos do vesúvio...

há uma flor para os amantes como nós

uma lava que sempre nos perdurará no acto

éramos nós em pompeia tróia e florença

somos nós na nuvem filha do oceano

seremos nós no perecer

para voltarmos a ser na atlântida e em marte

-- planeta da nossa noite -- os amantes do acto único

sábado, fevereiro 17, 2007

as artificiosas vulgaridades



captada digitalmente, ademais um filtro do photoshop,
porque nem todos são artistas...

o lugar do homem



(...) " As partes da vida do homem são o oriente do nascimento, o ocidente da morte, o meio-dia da prosperidade, o setentrião ou aquilão da adversidade. Devemos ir a todo este mundo: Ide por todo o mundo, para considerardes o que fostes no vosso nascimento e o que sereis na morte; o que sois quando vos sorri a prosperidade e quando investe a adversidade: se aquela levanta e esta prostra. Desta quádrupla consideração provém quádrupla utilidade: o desprezo de si, o desprezo do mundo, a constância, para que não se eleve, e a paciência, para que não se deprima. "
Sermões de Santo António, Vol. II (Ascensão do Senhor, II, 923-924), Lello Editores, 2000.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

pluvieux spleen


250.
derrama-se a natureza
ao fim da tarde
quebrada anseia que a noite a tome
pn, in textos do capricórnio

lembras-te?



249.

revoas e flutuas
no sopro cálido da manhã
nem cerras o olhar que o ar agride

251.

com o tempo que já não conto
afago-te o pulso nu de-leite
e ouço teu ressoar

pn, in textos do capricórnio

geadas no sangue


se as geadas nos crestam
são gentis as alvoradas
mas demasiado brancas
a imensidão
limpa da retina a imagem
que o pó de vidro esmói
pelo sangue
passada ao corpo
e depositada no olhar cerrado
e é quanto de ti vejo
sobeja e sorvo
nos pormenores tacteados

sabes que é para ti...



o meu olhar nos teus olhos
teu seio esquerdo a compasso
na poma de minha mão...

triguinhos loiros
carreirais suados
poalhas no ar e no ardor...

despertar-te com o olhar


alcancei a liberdade de usar o desejo
não desejaria polir o costume de te ter
... seria intento bárbaro ...

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

acrato âmago ... (para a Elfi)



o gesto hesita detém o espasmo o hausto oscila
imóveis no extâse nem estremecemos
só sacudimos como crinas frementes salgas suadas e acres
acrato âmago exaltado tropel de cascos bífidos na pele
na veia que lateja frémitos rompidos jorram ensejos
golfado haurir de ventos do deserto pela esfinge ignorados...

lembras-te?




...e não há cor que lhe chegue, à noite, que cai arteira na alcova revolta...

Spatzenmesse, K 220


... e o dia, com a noite, ganha cor...

une journée rosée...


riscografias 8 - elfi



a beleza



a fealdade


a curiosidade


quarta-feira, fevereiro 14, 2007

hoje. dia de parecer romântico



na impossibilidade de ir jantar com as minhas 149 namoradas (preferidas!), aqui manifesto os meus votos de um São Valentim quase perfeito (o quase, está bom de ver, é pela minha necessária e muito sentida ausência)...

hoje. a palavra


a palavra
tem um significante longo
e um significado curto

terça-feira, fevereiro 13, 2007

refracção

trabalho a 4 olhos: Elfi + pn

auto-retrato

auto-retrato do pn, a lápis 6B + filtro, muito favorecido (como compete!), sem rugas e com ar de artista iluminado, pela aparição da santa mais dilecta da sua mor devoção, ali em baixo, no frondoso horto da celeste, entre gardénias, azáleas, carumas e uma lua cheia de coquetterie floue...

domingo, fevereiro 11, 2007

k again

desenho a lápis 4B + filtro, de pn

K - o anjo milanês


K


I



K





I



Bretã
















riscografias 7 - elfi


Como coisas caíndo
Tudo parece ter outra vez começado. Quando
-- a cabeça encostada à morte que a perder de vista
crescia -- este homem estancado reconheceu o seu nome
pelo vento desenhado com os gravetos pobres
naquela que julgara ser a última parede do labirinto:
Já ali estivera. Ouvia outra vez a linguagem:
a montanha; desde sempre a linguagem -- e era um mar
nascendo no visível do outro lado: o som do verde.
(...)
Manuel Gusmão, migrações do fogo, Caminho, Lx. 2004.
fotografias da Elfi, Açores.





sábado, fevereiro 10, 2007

somos todos uns clássicos...




sexta-feira, fevereiro 09, 2007

dia




dia
de brocado puído e esfiapado pingando o desbotamento
o corpo sumido cinde-se seco e célere do sucesso terra sido
exterior ao desespero não desfita o horizonte a cabeça imóvel
até se tornar quase lua de sombras velhas num crepúsculo alto
ninguém sorri os lábios colados a resina fria dos pinheiros bravos
aguilhões de pasmo tresloucam marmeleiros silvos no ar alheio
brota sangue golfado do odre crido inane pela argila ávida bebido
tudo se desconstrói em torno da prima coluna de granito lívido
a hera entende-o no desenlear célere arfando o viço afora dela
reptantes sumem-se no esconso côncavo da humosa pedra
cadávares e excrementos escorridos do patíbulo reconciliam-se
a turbamulta algazarra-se ainda no vinho orato do festim crido
baquianas lantejoulas pasmam nos úberos secos um fétido tesão
breve brilho alumia a madrugada fendida no grito do pulmão final
roucas cigarras decretam o regabofe da alvorada besta branca a trote
cessa rendida a voz da lura à luz no núcleo oculta ao
dia

fotografia de Elfi e texto de pn

a rosa


uma rosa abrindo-se no cérebro

e escandindo

a fala



Manuel Gusmão, Dois Sóis, A Rosa a arquitectura do mundo, Caminho, Lx, 1990.