quarta-feira, dezembro 31, 2008
serenidade
O homem tem medo da solidão. E cada vez inventa mais justificações para a exorcisar. Não gosto das festas de calendário. Nem mesmo sou muito propenso a afagos. Deleito-me com o isolamento e com os pequenos prazeres que lhe dão sentido. Além disso não receio a solidão, antes achando que o homem só se tem mais a si. E não temo enfrentar-me... Um calmo jantar, apenas com o excesso de um segundo prato que não é habitual. Quatro seleccionados cd's e um livro. Por esta ordem: I. Biber, Muffat e Bertali; II. Du Fay (Diabolus in Music); III. Palestrina (Missa Viri Galilaei); IV. Arvo Pärt (Passio)... lendo, do Stéphane Audeguy, A Teoria das Nuvens, ed. Teorema (para uma forma de olhar e ver o céu).
Entretanto, comunicam-me o trespasse de um parente distante, com nome de poeta antigo. Compunjo-me por instantes agarrado a uma ténue lembrança e penso que ele sempre foi um pouco desmancha prazeres. Até no dia que escolheu para se finar.
Cálido, o ambiente, confortável, o sofá, as horas passam, como outrora em Síbaris. Quando o artificioso fogo estralejar, com a vista já cansada, para descerebralizar, farei um "bonecro" no paint, escreverei um mail pouco urgente e deitar-me-ei serenamente, mais ou menos certo de que vou ter uma noite reparadora. Amanhã será um dia semelhante aos outros. Cumprirei minhas rotinas e congratular-me-ei (muito) por ter acordado sem dores, na posse dos meus cinco sentidos, da minha força e lucidez. Deo Gratis!
Por aí, o espumante-tipo-champagne, adquirido a crédito numa modelar grande superfície, borbulha sua cor d'oiro nas flûtes mais élancées que os copos de vidro grosso comprados na loja do chinês.
Hoje, ofereceram-me uma viagem à Escócia, pelo Entrudo. Coerente, recusei. Mas fiquei muito grato pela lembrança. Devo ser muito boa pessoa! (embora seja o único a pensá-lo).
terça-feira, dezembro 30, 2008
"Cinco Réis de Gente"
Aquilino Ribeiro escreve "Cinco Réis de Gente" em 1948. É sem dúvida a primeira tábua de um políptico autobiográfico, já em 1913 começado com o conto "O Remorso", in "Jardim das Tormentas" e rematado, postumamente, em 1974 (dat. de 1972 e escrito em 1962) com "Um Escritor Confessa-se". Deixo-vos o incipit dos 1º e 2º capítulos, fazendo votos de vos aguçar a curiosidade para a leitura integral (na Bertrand, a ed. do Centenário, 1985, custo menos de 10 euros).
I
Retrocedendo nos limbos do passado até onde a minha memória é como a lanterna dum mineiro perdido no fundo duma galeria, que vejo? Vejo no grande e desmantelado pátio fidalgo a nossa casa, de lojas para animais e habitação, com sua obsequiosa escada de pedra e um esgrouviado sabugueiro a bater atónito nas vidraças, que deitavam para o povo, sempre que o Soão soprasse mais forte. (...)
II
Eu sou de família em que as donas se assentavam em esteiras. Muito amor e poucos afagos. Nunca conheci as blandícias e a variadíssima bichinha-gata da ternura civilizada. Na aldeia, para acariciar, não passeiam a mão pela cara das pessoas queridas. Semelhante ordem de meiguices são prerrogativas da gente urbanizada. Para o camponês o rosto é sagrado; tabu; não se lhe toca. (...)
Boa leitura!
segunda-feira, dezembro 29, 2008
Eugène Guillevic
Quoi donc, ce matin,
Dans ce corps qui est le tien
Peut chanter aussi bien.
LE CHANT, Gallimard, 90.
Dans ce corps qui est le tien
Peut chanter aussi bien.
LE CHANT, Gallimard, 90.
Sebastião Alba
NÃO SOU ANTERIOR À ESCOLHA
ou nexo do ofício
Nada em mim começou por um acorde
Escrevo com saliva
e a fuligem da noite
no meio de mobília
inarredável
atento à efusão
da névoa na sala.
A NOITE DIVIDIDA, Assírio & Alvim, 96.
ou nexo do ofício
Nada em mim começou por um acorde
Escrevo com saliva
e a fuligem da noite
no meio de mobília
inarredável
atento à efusão
da névoa na sala.
A NOITE DIVIDIDA, Assírio & Alvim, 96.
domingo, dezembro 28, 2008
A Vitória e a Madalena
A Igreja do Espírito Santo, no Carregal, Sernancelhe, tendo à direita a casa onde nasceu Aquilino Ribeiro...
... a 13 de Setº de 1885...
... e onde durante anos oficiou o Pe. Joaquim Francisco Ribeiro, pai de Aquilino.
... a 13 de Setº de 1885...
... e onde durante anos oficiou o Pe. Joaquim Francisco Ribeiro, pai de Aquilino.
A Carla e o Carlos, pais da Madalena e da Vitória, hoje baptizadas, quase nascidas com a República, a 3 de Outubro.
sábado, dezembro 27, 2008
sexta-feira, dezembro 26, 2008
quinta-feira, dezembro 25, 2008
quarta-feira, dezembro 24, 2008
segunda-feira, dezembro 22, 2008
domingo, dezembro 21, 2008
sábado, dezembro 20, 2008
Uns 2 Pontos
.
Há dois pontos / de um se parte e ao outro se chega / entre eles um caminho / os que o percorrem nunca quiseram partir nem querem chegar / e desta dupla negação como haveria de ser o caminho / como fazer o caminho / partir às arrecuas para não chegar / trapacear o iniludível / fraca a fraude / caminho da cruz ou do diabo / este caminho / mesmo que aos pés a dor tolha / caminhamos / essa é a certeza de um caminho a percorrer / entre dois pontos que não pedimos / não escolhemos / há o caminho da negação / ou só do não / aquele que imitamos porque se tornou aceitável / se tantos pés o percorreram / e mesmo se ao correr das águas chamarmos recordações / ou esquecimentos / pouco importa / mediremos sempre o tempo entre a vida e a morte com a fita métrica nos pés escondida / e no dilema que surge na escolha / mesmo não havendo escolha / desarticula-se a tragédia / talvez / como possibilidade / talvez neve amanhã / ou seja um natal / efeméride de um ponto / ou ponte entre dois pontos / ou mesmo nada / aceitando a inexistência da distância
.
sexta-feira, dezembro 19, 2008
quinta-feira, dezembro 18, 2008
Assim dito, até parece fácil...
Tant que nous écrirons nos noms
Sur les arbres malades de l'automne,
Les oiseaux pourront chanter,
Nous pourrons nous aimer (...)
Léo Ferré, Notre Amour
(Lembrou-me o Ferré uma visita à Velinhas, e pela quási-anarka Maria Bandida... e fui ouvir dois cd's "Paris canaille" e "La vie d'artiste", da"The Intense Music", numa Fnac...)
(para obterem as letras, vão ao google.fr e digitem o título da canção + Ferré)
Sur les arbres malades de l'automne,
Les oiseaux pourront chanter,
Nous pourrons nous aimer (...)
Léo Ferré, Notre Amour
(Lembrou-me o Ferré uma visita à Velinhas, e pela quási-anarka Maria Bandida... e fui ouvir dois cd's "Paris canaille" e "La vie d'artiste", da"The Intense Music", numa Fnac...)
(para obterem as letras, vão ao google.fr e digitem o título da canção + Ferré)
terça-feira, dezembro 16, 2008
domingo, dezembro 14, 2008
sábado, dezembro 13, 2008
E por falar em Piano(s)...
desta arena que é lume daqui deste palco que é som cavo escavo o outro lado da vida cabeça de olhos agudos na selva que dispersas como se fosses mais que o vento brando no momento em que te sou o espinho de nenhum engano. o nome da estratégia de um dezembro lúcido pregado no chão. como sinal que não se entende e se estende em carne e música. estuando pontes e crinas na doçura do papel que te é exercício pouco e muito. breve e endógeno como a garganta onde me marcas com a marca da água. em espelho de recomeços e atropelos e sopros. árduos e guerreiros. inquilinos de um destroço sobre o fogo que arde e é ideia sem idade.
daqui desta volta onde te sou o mármore e a nuca o dorso e o júbilo o verso e a língua falada o ávido e a clave sou mais perto da floração do vermelho escarpado no teu pescoço. de ave.
lírica e inaugural. como deus no deserto. debaixo das pedras. tornadas em lágrimas. maduras. redentoras.ascendo à anatomia das flores para te ser madalena e caos. desarme maior não conheço que te ser toda a cal.
tecido lento a cobrir-te a dor rítmica de um sim incandescente.
aqui. a matéria é uma paisagem redonda. magnificada.
daqui desta volta onde te sou o mármore e a nuca o dorso e o júbilo o verso e a língua falada o ávido e a clave sou mais perto da floração do vermelho escarpado no teu pescoço. de ave.
lírica e inaugural. como deus no deserto. debaixo das pedras. tornadas em lágrimas. maduras. redentoras.ascendo à anatomia das flores para te ser madalena e caos. desarme maior não conheço que te ser toda a cal.
tecido lento a cobrir-te a dor rítmica de um sim incandescente.
aqui. a matéria é uma paisagem redonda. magnificada.
Rendido a este Allegro aperto (ou?) Andante ma un poco adagio, que roubei, excepcionalmente, no sítio da Isabel, embalado na toada indómita da palavra solta em galope largo, no verde lenteiro, que a geada não crestou...
Nem os cães...
... querem andar lá fora! E à mistura com concertos para piano e orquestra, nº 5 em ré maior, K175, nº 6 em si bemol maior, K238 e dois pianos e orquestra nº 10 em mi bemol maior, K365/316a, com Alfred Brendel e Imogen Cooper aos pianos, a Academy of St. Martin-in-the-Fields, com Sir Neville Marriner..., ouço os dois num ressonar harmónico que, depois de nos habituarmos, nem estraga os arranjos de Mozart. Aqueles sofás são tão só deles, que já têm uma auréola luzidia à volta!
Escoado...
Venho de almoçar em Barrelas. Já há muito não era tão "ferrado" pelo frio daquela invernia. É um frio sério, composto, íntegro. Um frio que nos deixa a chorar e de barba molhada com a respiração. Um frio como que uma cortina, que às 15h00 se cerra, trazendo uivante a já sombria noite. Et pour cause, toca de almoçar um escoado! O quê? Não sabem o que é um escoado??? Meninas urbanas...! Um escoado é a modos que um cozido beirão. Mas, para melhor. Feijão vermelho caseiro (do rebenta panelas), cozido com couve e nabo da horta. Muito azeite com alho. Chouriças -- feitas em casa -- de carne e boche (a dos couratos) e toda a parafernália gorda de carne cozida de porco: orelheira, chispe, tromba (com sua licença!), cabeça, banda, toucinho, salpicão... aiii! (mais meio litro de água do poço). Gasto os motiliuns e os legalons todos! Quando desamesendei já estava todo basófias, de peito feito ao frio que me encolhera na chegada. A natureza, lá, é assim. E as pessoas, com tudo se defendem. Até e também com a mesa! E como à mesa não se envelhece, diz o aforismo, venho remoçado e com o ácido úrico dobrado... Amanhã volto lá, por penitência, que é preciso dar castigo ao corpo! (É a minha espécie de cilício, percebem?).