terça-feira, outubro 30, 2007

olhar apenas luz

O ar coa…

Assumo a lentidão que o corpo exige
Contraponto rude ao cérebro dado

Em dois andamentos se esgaça a sin-fonia
Puimento dos sons e das causas dos sons
Batalha sem êxito ao clamor da fífia estrídula
Corpo que cai no dia e no dia a seguir ao dia
Atraído ao êxtase da terra
A que o pensamento exuberado não se rende
Antes voa-e-foge-vital-brilhante
Para arriba das nuvens muito altas
Donde apupa manguitos aos corpos gastos
Extenuados-razantes e decrépitos
No dia em zénite rés lá voa o dito
E congemina o a-dizer
E a dinâmica da calma, da alma-calma…
Dá-lhe enfim o justo espaço e o certo tempo
Em que o corpo cede e a mente voa
E é porque o corpo cede que o efeito
Se faz águia e o ar coa…


4abril2004

segunda-feira, outubro 29, 2007

A escrita da imagem (para uma pessoa amiga que não gosta da minha lírica)


Se a imagem vale dez mil palavras, no dizer milenarmente sábio dos chineses, por quê escrever sobre a(s) imagem (ns)?
Para uns, a escrita é o substituto degradado da palavra, simbolizando a perda da presença: a escrita chega quando a palavra se retira e permanece como símbolo da palavra ausente.
Jean Lacroix escrevia sobre a escrita --»
um esforço secundário e perigoso para reapropriar-se simbolicamente da presença.
Os chineses conferiam à escrita um valor tão grande que a caligrafia superou, por exemplo, a pintura.
Para eles, a sua escrita figurativa, essencialmente simbólica, deve ressumbrar todos os elementos da linguagem, sonoros e gráficos, ritmos e sentenças, destacando a eficiência do símbolo, para expressar o pensamento, impondo o sentimento de que exprimir não é evocar, mas sim realizar.
Ademais se sabe que a língua chinesa falada tem variações de intensidade e entoação da mesma frase que pode alterá-la até significar realidades muito diferentes e mesmo completamente antitéticas.
O que é escrito é fixado definitivamente, daí, entre outros, o seu carácter conservador por oposição à dinâmica transformacional da linguagem falada.
Escrever sobre o corpus captado por uma objectiva, sobre a imagem pintada, que valoração ou mais-valia lhes concederá?
E se, em simultâneo, usássemos uma linguagem mais plural, em que a imagem e a escrita se enliçariam numa escultura de significação(ões)?

Estes pontos aqui esquissados ao sabor breve de uma inspiração fortuita poderão ser mais longe levados.
Vamos tentá-lo.
A escrita é redutora se for só denotativa e não se eivar de polissemias.
Se a escrita veicular representação (ões) de valor conotativo, perderá a linearidade sintagmática e ampliar-se-á nas ‘tergiversações’ paradigmáticas.
Hesitação/Decisão essência das transgressões.
No entendimento de fuga à norma.
A escrita, assim obliquada, como que a escorregar travessa da linha direita que a enfileira, é tão valiosa como a imagem, pois passível, como ela, de enfoques e/ou perspectivas várias.
De milhentos ângulos, mesmo.
‘Mileangular’.
Contudo, a imagem atrai de imediato (ou repele) na sua apresentação espectacular.
A imagem, enquanto representação policromática (mesmo o preto e branco tem gradações várias de tom, os cinzas, p.ex.), tem profundidade, tem planos, tem, à evidência, representações do real (ou do irreal) que a escrita (con) figura, mas de modo menos evidente, sim de forma mais críptica.
Toda a escrita é código, todo o código carece de descodificação para ser perceptibilizado.
Mas e a imagem, não é também código?
Claro que sim.
Claro que não.
É imediatamente observável.
É espectáculo puro, representação primeira (primária?).
A escrita não colhe nessas facilidades a adesão do spectator.
A prática epistolar, tão em desuso (re-novação) nos dias de hoje, conferia à palavra a presença do(s) ausente(s).
E de forma lenta.
Hodiernamente, a escrita re-envia-se à velocidade da palavra dita.
Posso usar qualquer meio do tipo messenger para escrever e ser emissor receptor como se de um acto de oralidade se tratasse.
Em termos cronológicos, claro.
E que concluir dessa alteridade?
Pelo menos, que também a conservadora escrita volveu veloz ao encontro atempado do frenesim da época…pelo menos…
Lacroix conferiu-lhe a
perigosidade na apropriação da presença.
Como assim?
Perigoso é o que constitui uma ameaça, que põe em risco a integridade física de uma pessoa ou a existência de uma coisa.
Mas também, que envolve risco, que é susceptível de fracasso ou de insucesso.
Ou ainda, que não merece confiança e é capaz de causar dano ou prejudicar.
Logo, as palavras escritas, para o citado, pela sua fixação, ausência de emissor, testemunho inquestionado, variedade de interpretação, são um ameaçador perigo ou uma perigosa ameaça.
Talvez.
Os chineses, talvez também por isso, pela forma figurativa, pictográfica da sua palavra, culminavam-na de importância.
Mais lhe concedendo imagem expressiva e até emotiva.
E porém, decidiram que uma imagem vale mais do que dez mil palavras.
Ou será que as palavras são tão plurivocamente perigosas que uma imagem, na sua imediata representação, não proporciona tanto risco?
E daí o seu valor (benefício?).
Sabemos ainda, que apesar do valor que era por eles concedido à palavra escrita, esta só atingia a plenitude expressiva através da sua fonética, através da entoação/intensidade…
E parece-me que rolamos como seixos em leito lento de córrego, de antítese em paradoxo.
Será?
Pois que seja!
E que seja ainda um botar à terra de sementes para colheita pródiga, em termos de reflexão.
E retornemos ao incipit : A escrita da imagem.
Não será adir a uma imagem um texto (e porque não vice-versa?) reduzi-lo (a)?
Tirar ao spectator / leitor, a sua capacidade de enfrentar sozinho o caminho, e chegar?
Será a adição redutora?
Ou facultativa, para os mais desatentos, para os mais relutantes à descodificação, de uma mão cheia (a do semeador?) de pistas, de sinais (de alerta?), de vias para a riqueza do metatexto?
O horizonte atrás do horizonte?
Este texto (infra texto), é nem mais que uma reflexão, não em voz alta mas de vivo texto.
É uma sucessão de hipo teses.
Daqui se abra a discussão e acedamos a convertê-lo em tese de alguma coisa, nomeadamente, da relação íntima (e inseparável?) da escrita com a imagem, forma talvez herma afrodita que alguém, algures, por sensatez (?), sabedoria ou cruel perfídia, dividiu ou des con juntou…


pn
Viseu
16 de Outubro de 2006

ablução nocturna

(…)

tenho a boca de silêncios cheia
de renúncias prenhe o corpo


(…)

pn



Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio

(…)


Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente

(…)

Que os deuses me concedam que, despido
De afectos, tenha a fria liberdade
Dos píncaros sem nada.
Quem quer pouco tem tudo; quem quer nada
É livre;

(…)


Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos

(…)

RR

mulher sentada em cadeira azul

fere a terra fogo sobejado do ardor que te pressinto
e sonho meu esteio em ti gavinha enleio da paixão
seiva que jorro à terra rendido e aturdido
do golpeio rosa na cabeça do falcão

terço de canto

inundada a imunda e muda dada
ao volteio tão de incasto ausente
dos afagos mais mimados o premente
sucumbida ao cadente ardor irada
(...)

domingo, outubro 28, 2007

3.966 cc. straight-six A-M


lua cheia...


Corpos comunicantes (?)


Já que vieste, entra.
(Desculpa esta expressão. Soa-me ao “já agora” do cumprimento.)
(Estou sempre à tua espera. E estarei, pois não vens para ficar e daqui a pouco partirás.)
A casa está vazia mas tenho livros novos.
(Abro as janelas e entra luz e ar. Miro-te de soslaio para não te constranger com os olhos. Estás mais magra. Tens olheiras. Um pouco desarrumada. Pressinto em tudo que vens a sofrer de algures mais um chagrin. Nada te pergunto. Não sei se queres falar. Não sei se quero ouvir. São tramas tão de mim ausentes…)
Queres que te encha a banheira com água quente?
(Baixas os olhos e não respondes. Acendes mais um cigarro que muito me incomoda. E tu sabe-lo. É o quarto e só há pouco entraste. Noto-te as unhas descuidadas nas agitadas mãos de sempre, grandes e ásperas. Mãos de bater. Mesmo o cabelo vem quebrado e corredio de tanto adejar. Sem graça. Só aos olhos deste um contorno em negro.)
Queres que leia para ti?
Não.
Vou-te descascar maçãs?
Não.
Ponho música?
Não. Senta-te só ao pé de mim. Assim. Abraça-me por trás. Respira-me na nuca. Agora, mexe nos meus cabelos, no meu pescoço. Sim. Respira comigo. Eu conto até três e expiramos todo o ar. E após, até três de novo, e inspiramos juntos.
(E eu adormeço.)
(Quando acordar estarás ainda imóvel, com os dedos, as mãos, os braços e o tronco dormentes. E eu estarei lassa e queda. Então encherás a banheira. Despir-me-ás. Dobrarás a minha roupa amarrotada. Dar-me-ás um longo banho cálido com os sais do oriente, para mim guardados. Depois, secar-me-ás o corpo e os cabelos, a teu modo.
Lavarei a boca para te agradecer.)
Bem hajas.
(Comerei duas maçãs por tuas mãos dadas e uma colher do mel.
E porque então já será noite, partirei. Não sei para onde nem sei porquê. E nada me dirás. Nunca dizes. Cerrarás a porta quando deixares de me vislumbrar, lá além.)
Voltarei. Adeus. (Sussurro ainda.)
Adeus. (Fico à tua espera.)

(Novº de 2006, publicado in camerobscura)

Ainda e sempre, Aquilino...

A raríssima publicação de Soldado que foi à Guerra, (1956) novela extraída do volume de contos Caminhos Errados (1947), onde saíu com o título Chumbo.
Nº 1 desta "Colecção Novela", dirigida por Manuel do Nascimento, ed. da Fomento de Publicações, Lda., tem capa de Paulo-Guilherme e um inusitado formato 16X11,5 cm.
Uma rara 1ª edição de Estrada de Santiago (1922), onde surge pela primeira vez O Malhadinhas. Independentemente do seu lamentável e inexplicável mau estado (em breve parte para restauro), tem a peculiaridade de ter sido adquirida pelo meu avô paterno, Hilário de Almeida Demar Pereira, e de estar por seu punho datado de 1923.


Daqueles que ninguém fala...

As duas últimas aquisições: as primeiras edições de Aldeia, 1943 e Trampolim, 1944, de Afonso Ribeiro. Já possuíamos a 1ª ed. de Povo, 1947 e, das Publicações Europa-América, em Contos e Novelas Inéditas, 1948, Uma Luz nas Trevas e, em Antologias Universais, da Portugália, Pobres de Pedir, extraído de Ilusão na Morte, 1938.
Fica-nos em falta:
Maria, escada de serviço, Da Vida dos Homens, Plano Inclinado, O Pão da Vida, O Caminho da Agonia, Três Setas Apontadas ao Futuro, Os Comedores de Fome, A Árvore e o Fruto, África Colonial.
"Afonso Ribeiro nasceu em Vila da Rua, Moimenta da Beira, em 7 de Novembro de 1911. Professor primário, com muitas dificuldades materiais, afirma-se pelo seu talento e coragem. Contrário ao regime político e ideológico vigente toda a vida sofreu as consequências da sua atitude e irreverência, tendo sido várias vezes preso, sujeito a buscas domiciliárias, alvo de apreensão das suas obras, proíbido de exercer o magistério, constantemente perseguido pela PIDE. Emigrou para o Brasil, depois para a África, tendo-lhe sido sempre a vida madrasta. Conjuntamente com Alves Redol, Sidónio Muralha, Armindo de Oliveira, Mário Dionísio, João José Cochofel, Joaquim Namorado, José Gomes Ferreira, Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, Fernando Namora, Fernando Monteiro de Castro Soromenho, Virgílio Ferreira... é um dos nomes destacados do neo-realismo português. " (...)
in Contos Comuns, pn, Forma Breve, Revista de Literatura 1, Universidade de Aveiro, 2003.
Recordo aqui que quando da pesquisa para este trabalho, não havia uma única obra de Afonso Ribeiro na Biblioteca Municipal de Moimenta da Beira. Aqui fica o apelo ao "velho" amigo dr. José Agostinho, presidente da autarquia. Hoje, sabemos existir já uma rua com seu nome e haver uma nova sensibilidade para a aquisição das suas obras em falta.
Afonso Ribeiro foi ainda colaborador assíduo no Sol Nascente, O Diabo, Pensamento e Vértice.

Santuário da Lapa


Há convites irrecusáveis, se vindos de pessoas que muito estimamos. Foi o caso do recebido de mãos do dr. José Mário Cardoso, presidente da autarquia de Sernancelhe, para o dia de ontem, sábado, estarmos presentes à apresentação do livro do monsenhor Arnaldo Cardoso, Santuário da Lapa, História e Tradição.
Feita no próprio Colégio dos Jesuítas pelo edil, Dias Loureiro e o autor. A mesa integrava ainda Zita Seabra, sócia/directora da editora Aletheia, co-propriedade de Dias Loureiro, oriundo de Aguiar da Beira, a 9 km.
Muita gente em cerimónia luzida. Talvez por presença de bispo e muita clerezia, esqueceram-se de falar no mais notável aluno daquele Colégio, aquele que divulgou as Terras do Demo pelo mundo afora: Aquilino Ribeiro.
Não é de estranhar...
Referimo-lo à ex-deputada do PC, hoje do PSD, Zita Seabra, respondeu-nos que não era ali chamado, que muito se falara dele há pouco aquando da trasladação. Mais disse sobre as edições do Mestre e devido às suas funções anteriores na Bertrand. Não seria curial reproduzir aqui essa conversa.
Seguiu-se uma ceia volante começada a Caldo de Castanha (está a decorrer a Semana da Castanha, em Sernancelhe que é a sua Capital), torresmos, fritada de chouriça e morcela, feijoada branca à lavrador, grão de bico com bacalhau, etc. e, como não podia deixar de ser, castanha assada.
O livro em epígrafe prima pela qualidade da edição e pelas profusas ilustrações que enchem as suas 170 páginas. Quanto ao conteúdo, não nos deu o tempo azo a comentários.
Deixa-se uma imagem dele extraída, um belíssimo Relicário, s/ data, com as iniciais da Companhia de Jesus, que faz parte dos tesouros do Santuário.
Tivemos a estimada companhia dos amigos, sr. Fernando Sena, tenente-coronel Amaral Dias e dr. Jerónimo Costa, o que só por si valia a viagem...

quinta-feira, outubro 25, 2007

o outro lado da câmara...








O Brevitas foi fotografar a Mara Gê.
Captar o outro lado da câmara.
Aqui ficam algumas imagens.
Fotógrafa e modelo ; duas faces talentosas da Mara.
















quarta-feira, outubro 24, 2007

receita antiga

diluir a mentira no espéculo verosímil dado pela verdade à vida
obter um resultado opaco onde a luz refulja a medo
desagregar quaisquer cambiantes rebeldes ou impermeáveis
alisar os factos e os in-factos até conseguir uma superfície ligeiramente porosa com um leve resquício de atrito
combinar tudo num tom cromaticamente neutro e regular
instituir o arrepanho ascendente das comissuras labiais
evitar as acutilâncias
apoiar os fáticos
ver sem olhar
acariciar as rugas com o acarinhamento táctil do banal
vestir indumentária que tapando disfarce
recusar toda a certeza
abrir a porta aos contudo e todavia
obviar os sentimentos
curvar ligeiramente a torre vertebral
ampliar gradualmente a linha ventral
pensar pouco e se
serafizar
moralizar qb
perdurar a erecção para evitar esforços
calorizar ao sol
miopisar
protesisar
desenhar lápides semelhantes a arranha-céus ou vice-versa deixando ainda a hipótese de serem pontas de esferográficas ou seringas perfiladas
fazer uma marinada carrasquenta e deixar cozendo em lume brando durante a semi-eternidade que entendermos
gratinar o desagregado em fundo forno rubro, o instante variável de uma cópula
convidar um sûfi em período zuhd para o mais alto minarete da mais bela mesquita de burayada
servir em barro pálido filigranado de azul ao som do canto dos cameleiros alternado com a ópera dos gatos de rossini
beber com cicuta álgida, colheita de 55, diluída em absinto...

MARA GÊ






segunda-feira, outubro 22, 2007

más companhias


nem nas pedras da calçada
aconchego pisar
à laje plana...
///
e no plano pé
não arqueia
planta ou cava...

Calçada da Sé de Viseu, pn


corpos improváveis 1


corpos improváveis 2


a reforma de Rocinante


Canción de Dom Rocinante, el caballo fantástico de Dom Alonso Quijano


Castela de sol ardente e gretado solo ardido
Será loucura ruminar em água fria e verde pasto?
Doloroso afago d’esporim sentido
Sol que faz heróis e estiola o duro casco…

Ah rocinante, ginete de cavaleiro andante
Surdo ao zurrar bronco do asno companheiro
Atento às cortesias deste doudo demandante
Matuto neste embalo d’osso em chouto levadeiro

Alonso Quijano não leias mais; de frente Aldonza Lorenzo mira
E naquele moinho mais branco cerca-a tal gigante
E corre após, com ela engrinaldada, a Dom Gaifeiros acudir à ira
Sombreando-me… que a canícula m’adormece arfante

Estóico sou eu, ai quão estóico!
Alonso o generoso é só bom e Dom, Nosso Senhor
Louco nos libertará jamais peitando o gesto heróico
Além há uma cruz… mira la cruz Alonso… que fulgor…

O Calvário deste sonho visionário cessará
Deste encanto que em lamento se ordena extravagante
E afrontoso do desastre que ao desastre enfrentará
Tanta mágoa qual demanda em liberdade busca impante

Ah rocinante, ginete de cavaleiro andante
No exílio a erva será verde, a terra morna e eu livre enfim
De lamber mil ferimentos e codilhar farfante
Recolhido tu na torre escura dos cavaleiros-poetas-delfim

E aí o tomará Aldonza, a las cinco de la tarde, em seus braços de Dulcineia
(Pietá que exalta a las cinco de la tarde o lamento quixotesco cessante
Do homem livre, a las cinco de la tarde, da alma livre, do livre ilimitado, da ardente veia…)
Ah rocinante, a las cinco de la tarde, ginete de cavaleiro andante

Chocalha-me tal e tanta lataria deste vivo ideal
Que transporto em tanta dor
Meu Senhor Nosso Senhor

“não repare vossa mercê em ninharias, senhor Dom Quixote, nem aperte tanto a cravelha que estoira a corda! Representam-se para aí todos os dias comédias recheadas de absurdos e baboseiras e ninguém lhes vai à mão. Pelo contrário, fartam-se de receber aplausos, vento em popa!”

Sancho tolo, Santo pança que nunca leste um livro, nem a Tormes foste vivo
E és conselheiro dos que afrontam o rei
Oh que corte tão leal sem grei!

Dom Quixote e Sancho Pança, Rocinante e bronco Asno andante
Trupe luminosa ao sol cegante de Castela
Bolinando, nos olhos ocos dos bufões de vento em popa, a vela!



Paulo Neto
Viseu, 4 de Janeiro de 2004
(texto já publicado)

domingo, outubro 21, 2007



foto de Mara Gê
montagem de pn

Partiu como chegou…

Partiu como chegou
espécie de sombra trágica
em medos vinda do sul
o dizer sussurrado
soluçado a céu azul

Partiu como chegou
imane mágoa sem mácula
efémera só deslizando
num pudor inconfessado
a sombra cinza rasgando

Partiu como chegou
agitou o ar pasmado
da chegada fez partida
toda ela tão chorosa
toda ela tão sofrida...

Partiu como chegou…
Huuuuuuumm!
Será bom dia?
Hum...

sábado, outubro 20, 2007

MARA GÊ

MARA GÊ

Os trabalhos apresentados são de uma jovem fotógrafa, a Mara Gê.
Com 21 anos, revela-nos uma rara sensibilidade e um inusitado enfoque do real, bem como uma boa mestria no domínio da captação da luz. Trabalhos em analógica, os ora aqui expostos (pequena série de uma sequência mais ampla a desvendar gradualmente), fazem parte do seu portfolio de estágio.



















dia de estrada




sexta-feira, outubro 19, 2007

rósea


quinta-feira, outubro 18, 2007

A evasão de Aquilino e Gomes Mota da Casa de Reclusão do Fontelo, em Viseu

Pf., clique na imagem.



a supliciação
do alucinado


' vociferare '

MEIO CANTO

feras vozes palanfrórias troam no clamor o esvaído dito
no eco perdido perdura a tensão e então
sussurrante sobeja lívido de pejo o palor do rumorejo
lacustres vitórias tão duradoiras como as águas ilusórias
estremecidas e porém asinho adormecidas

em tempos de Nobel...

pf. clique para ler

pyros


combateste como joana.
a de orleães...

a nossa heresia
ficou.
não há fogo que a queime...

quarta-feira, outubro 17, 2007

também há dias assim...




Há dias assim...
O de hoje foi de receber. Às 11h30, das mãos do Comandante da 5ª Brigada Territorial da GNR, Tenente-Coronel Amaral Dias, o Símbolo da Unidade, em nome do já retirado Senhor General Reis.
Depois, rumo a Sernancelhe, onde a convite do seu Presidente, Dr. José Mário Cardoso e vereação, fomos comensais de um opíparo almoço constante de Creme de Castanhas, Bacalhau no forno, gratinado com Boroa, Cabrito assado com Batata assada e Castanhas, Gelado de Chocolate e Natas.
De seguida, no Salão Nobre dos Paços do Concelho, recebemos das mãos do autarca uma bela estátua em granito e basalto, da autoria do artista Xico Lucena. Com 45 cm de altura, representa um músico tocando acordeão.
Produtos locais desta tão serrana quanto acolhedora Vila, Capital da Castanha e do Granito, sede do Concelho onde nasceu, em Carregal, Aquilino Ribeiro.
Agora, em casa, recuperado da gratificante jornada, ao som de "Das Donnerwetter" e "La Bataille", antecedo a leitura de dois títulos hoje chegados, de Albino Lapa, com dedicatória autógrafa, "O Mendigo e a sua História, com carta de Aquilino Ribeiro, em separata da Revista "Polícia Portuguesa", Lisboa, MCMLIII e a Colóquio Letras, nº 85, de Maio de 1985, em Homenagem a Aquilino Ribeiro, com inéditos seus e de Vitorino Nemésio e artigos de Óscar Lopes, Eduardo Lourenço, Maria Alzira Seixo, Alfredo Margarido, Carlos Reis, Alexandre Pinheiro Torres, Urbano Tavares Rodrigues, Françoise Massa, Duarte Ivo Cruz e David Mourão Ferreira.
Felizmente, há dias assim...

segunda-feira, outubro 15, 2007

sob o coágulo de vida que escurece
fundidas rugas que o tempo escreve
em quatro linhas curtas mal escritas
grito tine e foge do corpo verve
há dor no gesto quedado no cerrado medo
nas unhas que ferreiam a pele passiva
no sangue que o veio liberta e o ar liquida

o materno ventre

A grávida mais sexy da Terra (das que eu conheço!) mandou esta imagem da fecunda e radiante plenitude da maternidade.
Rotundamente bela...
Felicidades, Elfi!

correio da aNa

Há cartas tímidas, trémulas, cartas que temem o que guardam ou guardam o que temem, são cartas de quem, mais do que escrever a alguém, se escreve a si, numa laboriosa monografia dos sentimentos.
Outras há que são factuais e são a sua própria referência, ou que são momentos, impulsos, montanhas, até curvas.
As cartas que podem ser precipícios, essas são normalmente como espelhos, lâminas de facas, afiadas à garganta do remetente, preparadas para atingir também quem as recebe.
Cartas como poços e labirintos, gosto de as percorrer por dentro, pela orla do sujeito, onde o poço mais se suspende.
Gosto e admiro as cartas que se arriscam, gosto da caligrafia lúcida e passional, vincada na letra em riste.
São cartas a talhar gestos, vincados por outras cartas que levam gestos talhados por causa de outras cartas e outras antes dessas.
Há vidas que são como cartas, cartas inesperadas, cartas que nunca se esperam, nem chegam. Outras são desejadas e aguardadas e um dia chegam fora de tempo, são cartas inúteis como os sentimentos idos.
Espadas, algumas cartas ferem e desferem o ricto amargo da espada que se tem apontada à vida.
Ou ao outro.
São cartas amarfanhadas, lidas e relidas, pelos olhos do tempo.
Prefiro-as às cartas vulgares que ficaram por acaso e foram fáticas, factuais, apenas porque era preciso continuar a fingir.
Vibro com cartas secretas e choro sempre quando vejo que o seu momento passou e que a ninguém já interessam.
Eu gosto de cartas.
Todos devíamos escrever cartas com o corpo, com os dedos e com os seios, ou com os lábios, cartas como pontes com pernas ágeis.
Hoje apetecia-me receber uma carta que me falasse das coisas que não sei.
Também me sabia bem rescrever aquilo que tanto sei, mas torneando as palavras como ferro forjado nos varadins da alma.
Porque o difícil é escrever cartas sobre as certezas incertas.
Outro tanto não direi das incertas certezas.
Dizer as coisas é desembrulhar-lhes os rótulos, às vezes trocados.
Quem escreve uma carta convoca-se no tempo, admite-se no outro como presença que se verte lentamente.
Escrever uma carta é como fazer amor com os sentimentos que a gente sente.
A minha vida é uma carta.
Falta-lhe só o remetente.
Escreves-me uma carta?
Um bilhetinho túrgido e urgente, daqueles que são sentenças de vida ou de morte, ou de amor somente, ah, se hoje me escrevesses...
Diz-me: quando escreves, convocas os deuses para a caligrafia nua que desenhas a tinta permanente?
Ou escreves com a inclinação oblíqua do que não sabes se sentes?
aNa

domingo, outubro 14, 2007


palavras idas convocados rostos...
o gesto um tom sorriso até
teu dom

palavras de outrora




suavíssima alba

afago
de palavras


não traduz tumulto

sábado, outubro 13, 2007

não se deve poder
não se pode dever poder
não poder é a sobrevivência ao massacre
barraste-me o caminho com teu
tirei-te o sapato
e arremessei-o
ao príncipe dos idiotas
que voava nu
no jardim do sangue